segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Pensando "Pastoralmente". O que acontece quando preterimos a doutrina na ação pastoral.

Ultimamente está na moda nos círculos eclesiásticos a expressão "agir pastoralmente" ou "pensar pastoralmente" que, na melhor das hipóteses, significa uma miríade de coisas.

O que se busca quando ouvimos o tal do "agir pastoralmente" são soluções práticas para problemas complexos. O que fazer com os divorciados recasados? Ou com os "casais" homossexuais? Como agir com o número crescente de casais não casados sacramentalmente?

Sempre a ação pastoral na Igreja estava subordinada à doutrina. Não poderia haver solução "pastoral" que contrariasse aquilo que estava escrito na Catecismo sobre o mesmo tema. Como disse, a ação pastoral estava subordinada à doutrina. Estava...

Agora as coisas parecem tomar um novo rumo e há uma, se podemos dizer, "nova escola" de pensamento dentro da Igreja, que na verdade não é tão nova assim, mas vem ganhando algum destaque nestes últimos meses. O "pastoral" parece querer se descolar do doutrinal e clamar para si alguma independência.

Para atingir tal intento, os proponentes dessa nova forma "autônoma" de ação pastoral se apoiam na contraposição de termos; pastoral seria aquela abertura humanizadora ao outro, enquanto o doutrinal seria algo limitado, frio e desumano, ou ainda algo essencialmente legalista e incapaz de acompanhar os "desafios do mundo moderno". Aquilo que na Igreja sempre caminhou de mãos dadas, agora se separa e vai por caminhos distintos.

O resultado é no mínimo uma Igreja contraditória - prega uma coisa, mas faz outra.

Vemos isso com clareza nos argumentos dos defensores da comunhão aos divorciados. Eles não falam numa mudança na doutrina, mas de uma nova "ação pastoral". Na prática, como já demonstraram vários bispos e cardeais, é anular a doutrina em nome de uma suposta misericórdia.

Quando o Cardeal Maradiaga fala ao Cardeal Muller, da Doutrina da Fé, que é preciso parar de pensar em "termos de bem e mal" ou ver as coisas somente no preto e branco, ele advoga justamente essa subversão prática da doutrina em nome do "agir pastoralmente".

Alguns, por outro lado, argumentam que isso é apenas mais uma falácia da parcela progressista e revolucionária estacionada desde a década de 60 na Igreja e que tal modus operandi não se espalhará na Igreja. Ingenuidade!

Já dizia o ditado que água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. O pensamento pastoral já se espalhou por outros setores na Igreja e até mesmo encontra simpatizantes dentro do grupo dos ditos conservadores. E poderia ser diferente? Afinal, eles censuram os teólogos e até bispos que seguem linhas heterodoxas, mas quando o padrinho da nova teologia é o próprio Papa, só lhes resta obedecer, obedecer e obedecer, sem qualquer questionamento ou reserva. É hora de ogar o catecismo fora e fazer a tal da "teologia de joelhos".

Agora trago o caso que me motivou a escrever.

Acredito que todos saibam que recentemente a Igreja anglicana da Inglaterra aprovou quase por unanimidade a ordenação de mulheres ao episcopado. Em seguida, prevendo a repercussão negativa junto aos "parceiros ecumênicos", o arcebispo anglicano da Cantuária escreveu aos principais líderes de outras igrejas, dentre elas a Católica, explicando a decisão e pedindo (!) que as outras comunidades "não desistam de nós [anglicanos]" e continuem do diálogo ecumênico.

A ordenação de mulheres dentro do anglicanismo inviabilizou qualquer esforço de unidade desde a década de 70, mas os teólogos, padres e bispos envolvidos diretamente com o diálogo ecumênico insistem e não desistem.

Bento XVI, como era um Papa que colocava a ação pastoral subordinada à doutrina, criou uma estrutura própria para receber anglicanos - o Ordinariato. Enquanto Cardeal Ratzinger ele acompanhou de perto o diálogo com anglicanos e percebeu que a unidade sacramental nos termos propostos e desejados pelos anglicanos era (e é) impossível para os católicos. O Ordinariato, criado anos depois da sua elevação ao trono de Pedro, é uma ideia engenhosa que funciona plenamente e sem qualquer contradição, resultado da sabedoria e prudência daquele que guiava a barca.

Agora, entretanto, estamos vivendo tempos de independência da ação pastoral!

Ao saber da decisão histórica que permite a ordenação de "bispas", Mons. Bernard Longley, arcebispo de Birmingham e chefe da comissão de diálogo entre católicos e anglicanos, não se declarou decepcionado, nem publicou nota afirmando que isso dificultaria a unidade, que a Igreja Católica não permite e jamais permitirá a ordenação de mulheres, etc. Não! Esses argumentos serviam ao tempo da doutrina, agora precisamos pensar além da doutrina e aplicar o remédio da misericórdia!

Abaixo traduzo um trecho de uma matéria do The Telegraph:

Numa entrevista à Church of Ireland Gazette, ele [Mons. Bernard Longley] afirmou que ainda que as duas igrejas trabalhem de forma muito próxima no dia a dia, é motivo de "dor" que elas ainda não possam partilhar a comunhão. Mas ele apontou para um documento do Vaticano publicado em 1993 e também para um estudo produzido pelos bispos na ilhas britânicas que já permitiam que não-católicos recebessem os sacramentos em circunstâncias muito especiais, incluindo o perigo de morte.
Perguntado sobre se ele pensava que, dada a relação limitada existente, possa haver espaço para futuras mudanças, ele disse: "Meu ponto de vista pessoal é que você está certo em chamar atenção para as mudanças que já vimos sobre a compreensão teológica mais profunda sobre as duas igrejas.
"E sobre essa base o Diretório Ecumênico de 1993 tornou possível a recepção da sagrada comunhão pelos batizados que não são membros da igreja católica em algumas circunstâncias especiais e sob certos critérios.
"Dado que isso representa uma mudança e um distanciamento significativo da impossibilidade para a possibilidade limitada, eu poderia imaginar e prever um dos frutos do nosso trabalho ecumênico como um movimento na direção de uma compreensão mais profunda sobre a comunhão e uma partilha mais profunda entre as nossas igrejas... que poderiam, talvez, caminhar para a reconsideração de algumas dessas circunstâncias".
Ele acrescentou que seria impossível para ele prever a "velocidade da mudança", mas que ele espera que as regras existentes possam ser aproveitadas.
Mas o bispo anglicano de Guildford, Rev Christopher Hill, um membro da Comissão [de diálogo anglo-católico] e um dos que pressionam para uma aproximação maior, afirmou que a influência do Papa Francisco poderia significar que o momento é propício para uma mudança.
"Estou ciente de que Roma está considerando a atualização do Diretório e, agora, com o tom mais aberto vindo do Papa Francisco eu posso ver porque o arcebispo Bernard pensa que, talvez, seja o momento certo para quem sabe um outro olhar sobre isso", disse ele.

Antes de mais nada é preciso deixar claro que Mons. Bernard Longley é considerado um bispo conservador, tendo inclusive celebrado a liturgia tradicional várias vezes, o que desmente a crença geral que celebrar ou permitir a celebração da missa antiga é automaticamente um atestado de ortodoxia.

Dado o contexto geral, o que Mons. Bernard Longley está dizendo é que não importa muito no que se acredita, não importam os dogmas que temos ou as diferenças teológicas existentes, mas é preciso encontrar meios práticos para remediar a tal da "dor" que anglicanos e católicos supostamente sentem por não partilharem a comunhão sacramental.

Mons. Longley está fazendo o caminho contrário. Não parte de uma comunhão na fé para chegarmos à comunhão sacramental, como deixou claro João Paulo II ou Bento XVI em vários documentos, mas para ele é a comunhão sacramental o princípio e o fim em si mesma.

A comunhão aos não-católicos só é possível em casos, como deixou claro, especialíssimos, sobretudo no perigo de morte. O mesmo serve para católicos comungando em outras comunidades onde a Eucaristia é validamente oferecida - é uma exceção muito rara. Acontece que os anglicanos não tem Eucaristia validamente consagrada e, mesmo que tivessem, não possuem uma compreensão eucarística nem próxima da católica.

O pensamento apresentado por Mons. Longley é a expressão do argumento pastoral, que é mais sentimental, prevalecendo sobre o doutrinal. Seguindo a lógica, até Mórmons ou Testemunhas de Jeová poderiam receber, se quisessem, a comunhão.

Não se trata de um teólogo anglicano expondo uma ideia - o que seria desculpável, porque eles pensam qualquer coisa absurda - mas de um arcebispo católico "tradicional". Sou levado a concluir que "pensar pastoralmente" amolece alguns miolos.

A Comunhão Anglicana em todo o mundo já deu provas mais do que concretas que não tem qualquer intenção de interromper o caminho que começou a trilhar e que inclui não só a ordenação de mulheres, mas a bênção de uniões homossexuais, aborto, eutanásia, etc. Mas para Mons. Longley nada disso é um impedimento.

A visão de Mons. Longley sobre as relações católico-anglicanas está descompassada com a realidade. Não estamos caminhando para um entendimento mais profundo entre as duas igrejas, na verdade, nunca estivemos mais separados do que agora! Tal pensamento equivocado poderia encontrar eco na frase do Papa Francisco - a Igreja nunca esteve tão bem como hoje! Uma visão no mínimo equivocada.

O grande problema que enfrentamos ultimamente é o desprezo claro pela doutrina, até mesmo da parte dos conservadores ou "neo-cons". 

O que vemos diante de nós não é um perigo da Igreja, no próximo sínodo, acolher os divorciados e reabilitá-los à comunhão de alguma forma, mas de divorciarmos o pastoral do doutrinal. Os resultados dessa separação serão escândalos e apostasia.

E na Cátedra de Pedro, onde antes buscávamos alguma certeza ou segurança, encontramos ainda mais dúvidas, ainda mais questionamentos.

Sem dúvida que todo católico deseja a unidade dos cristãos, deseja que os fieis se sintam acolhidos dentro da comunidade de fé que é a Igreja Católica. Mas esse desejo tem um preço que é a conversão pessoal e o arrependimento sincero. Remover a necessidade fundamental da conversão e da penitência, oferecendo-lhes inadvertidamente a Sagrada Comunhão é contribuir para a perdição de inúmeras almas! Não se trata de misericórdia, mas de profanação!

Não existem atalhos e a porta é estreita! Para chegarmos à Ressurreição com Cristo devemos passar pelo Calvário! O que estão querendo nos oferecer é um cristo sem cruz, uma misericórdia sem Verdade, uma fé esvaziada. E isso não pode ser católico!

Um comentário:

Paulo disse...

"PASTORAL" PODERIA TER ODOR DE RELATIVISMO...
Dependendo de como se usar o termo "Pastoral" como tanto se vê hoje em dia, com tantas dioceses infiltradas de socialistas, mais se parecendo estratégias de marketing, ou quem sabe, mais um componente do MARXISMO CULTURAL, em que o termo adquire conotação relativista, transformando-se no pastoralismo.
O que se nota é o Transcendente que vem sendo solapado, totalmente deixado de lado, em nome de uma malfadada preocupação com o “social, com o oprimido, com grupos marginalizados ou explorados” , sincronizando muito bem com as ideologias, como as da TL, apesar de simularem ser doutrina católica.
Decorrente disso, pouco ou nada de falar da opressão do pecado - tipo humanistas CFs da socialista CNBB - do domínio que Satanás exerce sobre um número assustador de almas, do perigo de nos afastarmos do sacramento da Penitência, ou da necessidade de adorar o Santíssimo, abandonado nos sacrários de muitas igrejas, tachando tais ações como modas antigas, ultrapassadas, o mundo moderno não mais comporta isso, que se acha “fora de moda”...
Daí, que poderiam ser ações travestidas da "pastoral" em muitas das vezes sob patrocínio social-ideológico - passar em cima da doutrina da Igreja - como nas seitas protestantes, para atenderem determinados segmentos "marginalizados", quando à verdade a meta é mais sutilmente relativizar as mentes, pois a guerra mais dura travada na atualidade é a GUERRA CULTURAL e uma "pastoral" nesse sentido gera excelentes "dividendos"!

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