domingo, 4 de setembro de 2011

Culpa do Concílio

Declínio das ordens religiosas: o fim de uma grande história? 

 A Igreja não é um fóssil, mas sim uma árvore viva em que, sempre, alguns ramos secam, enquanto outros brotam e florescem. Frades e irmãs não existiram por muitos séculos. Portanto, poderiam não existir no futuro ou, pelo menos, ter sempre menos peso e influência. 

 A opinião é do jornalista e escritor italiano Vittorio Messori, publicada no jornal Corriere della Sera, 31-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Fonte: IHUnisinos. Destaques nossos

Ótimos negócios nos últimos anos, mas ainda mais nos próximos, para os agentes imobiliários romanos que lidam com "grandes edifícios de prestígio". Depois da Concordata – e ainda depois, com ritmo acelerado, no segundo pós-guerra – congregações e institutos católicos do mundo inteiro construíram em Roma as suas Casas Generalícias. Alguns também ergueram aqui seus noviciados e seminários.

Muitas vezes, não foram poupados gastos, especialmente na amplitude da área adquirida, organizada como um parque para proteger a tranquilidade e a privacidade dos religiosos. Os projetistas eram, em grande parte, do país de origem do instituto, de forma que Roma acabou hospedando uma coleção de arquitetura mundial (para melhor e para pior), embora quase sempre invisível por trás dos portões, dos muros, das árvores.

Pois bem, não só a secularização, mas também as perspectivas depois do Concílio Vaticano II, estão realizando silenciosamente aquilo que os franceses do jovem Bonaparte fizeram com a violência, quando ocuparam Roma e deportaram o papa. E, depois, os piemonteses, quando o obrigaram a se aprisionar não em Paris, mas no espaço vaticano.

 Em ambos os casos, entre as primeiras medidas dos invasores, houve a expulsão violenta de frades, monges e freiras e à colocação no mercado do seu grande patrimônio imobiliário. Patrimônio que, depois, foi reconstituído, ou melhor, multiplicado até que, tendo alcançado o ápice na metade dos anos 1960, começou um declínio imprevisto.

Muito se falou e se fala da escassez das vocações à vida sacerdotal, pensando, sobretudo, no clero secular, o das dioceses, das paróquias. Mas talvez menos se comentou, pelo menos no mundo laico, sobre o inexorável declínio numérico das inumeráveis congregações de religiosos e, de modo ainda mais acentuado, de religiosas.

Entre o século XIX e o início do século XX, surgiram centenas de famílias de irmãs de "vida ativa", que desenvolveram preciosas tarefas sociais, muitas vezes com um admirável empenho e às vezes heroico. Mas agora essas atividades são geridas (muitas vezes com custos bem maiores e com uma eficácia bem menor; mas essa é outra história...) por entidades públicas, ou então essas necessidades foram eliminados desde que os tempos mudaram.

A jovem que tenha hoje, por exemplo, a vocação ao serviço aos doentes como enfermeira, ou às crianças como professora, pensa em um contrato hospitalar do estatal, e não, como antigamente, em um noviciado de irmãs. As congregações masculinas também sentiram duramente o desaparecimento das tarefas para as quais foram fundadas.

Mas tanto entre os homens, quanto entre as mulheres, o espírito conciliar tem agido, com a redescoberta do "sacerdócio universal", com a consequente revalorização do laicato e, portanto, com a consciência de que, para ser cristão até o fim, a vida religiosa não é o caminho obrigatório.

Diante do declínio, os superiores muitas vezes reagiram de modo contrário ao que a experiência e o “sensus fidei” sugeriam: nas muitas crises da sua história, a Igreja sempre enfrentou o desafio preferindo o rigor, não o afrouxamento das rédeas. Isso não ocorreu quando a Reforma Protestante esvaziou metade dos conventos da Europa ou no século XIX, depois da tempestade revolucionária?

No pós-Vaticano II, no entanto, a reescrita de Regras e de Estatutos para adoçar a ascese e a disciplina, o emburguesamento de vidas que eram austeras, não atraíram noviços, desejosos de Absoluto, como todos os jovens, e não de compromissos com o espírito do tempo.

Não por acaso, quem melhor se manteve de pé foram os mosteiros de clausura, que continuaram propondo uma Regra exigente, conforme a Tradição. Depois do êxodo impressionante da década 1968-1978, os espaços vazios não foram preenchidos, e (embora de um modo mais ou menos acentuado, dependendo dos Institutos) o declínio continua, e a idade média aumenta.

Virão reforços generosos e abundantes, então, da Ásia e da África? Os superiores-gerais que eu interroguei, quando fiz uma longa pesquisa entre as Congregações, me confessaram que essa foi, pelo menos em parte, uma grande ilusão. Motivos muitas vezes dúbios sobre a origem da "vocação" (uma forma, como entre nós temos atrás, para escapar da miséria, para estudar, para se tornar um notável), culturas, temperamentos, histórias muitas diferentes para se identificar, a vida inteira, ao carisma de um fundador europeu muitas vezes de séculos atrás.

Em suma, as estatísticas são impiedosas, e a realidade, muito frequentemente, apresenta casas de formação transformadas em casas de repouso, que absorvem, para a assistência, muitas das energias que sobraram. Não passa um mês em que algumas escola não é fechada, algum mosteiro até histórico e ilustre não é abandonado, alguma igreja não é repassada para as dioceses, mesmo que estas também estejam em grandes dificuldades de pessoal. Enquanto isso, algumas Casas Generalícias de Roma são postas no mercado, para se retirarem para lugares menos vastos e mais econômicos.

Realidade entristecedora para um fiel? Certamente é doloroso ver o declínio de instituições que foram beneméritas e mães de tantos santos, e constatar a dor de cristãos que deram a vida a Famílias que amavam e que agora veem se extinguir.

 Mas, na perspectiva da fé, não pode haver nada verdadeiramente inquietante.

A Providência que guia a história (e ainda mais a Igreja, o próprio corpo de Cristo) sabe o que faz: "Tudo é graça", segundo as últimas palavras do pároco de aldeia de Bernanos. A Igreja não é um fóssil, mas sim uma árvore viva em que, sempre, alguns ramos secam, enquanto outros brotam e florescem.

Aqueles que conhecem a sua história sabem que, nela, a exemplo do Fundador, a morte é seguida pela ressurreição, muitas vezes em formas humanamente imprevistas. Não nos esqueçamos de que, no primeiro milênio cristão, havia apenas padres seculares e monges: todas as famílias religiosas apareceram apenas a partir do segundo milênio. Frades e irmãs não existiram por muitos séculos. Portanto, mesmo deixando uma recordação gloriosa e nostálgica, poderiam não existir no futuro (é uma hipótese extrema) ou, pelo menos, ter sempre menos peso e influência.

O que é certo é que, em todas as gerações, continuará se acendendo em muitos cristãos a necessidade de viver o Evangelho sine glossa, na sua radicalidade. Que rosto novo a vida consagrada por inteiro irá assumir para o aperfeiçoamento pessoal e para o serviço do próximo?

Bem, não temos acesso ao conhecimento do futuro. Ele é monopólio d'Aquele que, através de pobres homens, guia uma Igreja que não é nossa, mas Sua.




Franciscanas da Imaculada - Ordem que mais cresce
em vocações é a que vive a fé integral
É interessante notar como o texto está carregado de insinuações sobre o efeito negativo que o Concílio Vaticano II exerceu, de modo particular, nas ordens religiosas masculinas e femininas.

Antes de ser tendencioso, o texto deve conduzir a uma saudável crítica dos acontecimentos dos últimos 50 anos. Para tanto, que não é certamente tarefa fácil, devemos ter em conta as palavras proféticas do Papa Paulo VI:

Acreditava-se que, depois do Concílio, viria um dia de sol para a história da Igreja. Em vez disso, veio um dia de nuvens, de tempestade, de escuridão, de busca, de incerteza (Paulo VI, Discurso de 29 de julho de 1972).

A Igreja encontrava-se em crise mesmo antes do Vaticano II. Havia um embate silencioso entre os vários teólogos que abraçavam uma nova teologia, uma nova forma de ver o catolicismo e a Igreja, centrada em Roma. Essa crise pré-Vaticano II era uma crise reservada primariamente ao clero, entre novo pensamento e o pensamento vigente e afetava silenciosamente o laicato.

Para quem acompanha a história da Igreja desde a Reforma, passando por Trento, a Revolução Francesa, com sua resposta no Vaticano I e a crise modernista e o Vaticano II pode ter claramente que houve uma espécie de infecção teológica na Igreja. Essa infecção contaminou primeiro alguns membros, espalhou-se pelos seminários, atingiu o clero e agora chega aos leigos.

O texto fala do declínio das ordens religiosas através, grande parte, da “redescoberta do "sacerdócio universal", com a consequente revalorização do laicato e, portanto, com a consciência de que, para ser cristão até o fim, a vida religiosa não é o caminho obrigatório”.

A noção do sacerdócio universal, embora sempre presente na Igreja, foi exagerada durante o Vaticano II e, sem dúvida e principalmente, durante o pós-concílio. Então a chave para a leitura da crise religiosa está não na identidade do religioso – como costumeiramente pensam os analistas da crise vocacional – , mas sim na função do leigo e no exercício do seu “sacerdócio universal”.

Nos últimos anos, seguindo a agenda da nova teologia, a valorização do leigo seguiu a uma desvalorização do religioso. Muitas ordens, tentando sobreviver, procuraram deixar os mosteiros e conventos, tomando parte ativa na vida social, relaxando a disciplina monástica e religiosa como forma de competir com a “concorrência” dos leigos. O resultado disso são as freiras sem hábito, os monges sem breviário.

Hábito - A Nova Geração é atraída por ele
Contudo, “a reescrita de Regras e de Estatutos para adoçar a ascese e a disciplina, o emburguesamento de vidas que eram austeras, não atraíram noviços, desejosos de Absoluto, como todos os jovens, e não de compromissos com o espírito do tempo”.

De fato hoje as congregações que mais crescem – e são poucas – são aquelas preocupadas em dar aos seus membros o verdadeiro Espirito religioso e não o do tempo. As constatações do autor são confirmadas por um estudo encomendado pelos atônitos religiosos norte-americanos. Nele:

(...)revela que a geração envelhecida e predominantemente branca está sendo substituída por um grupo menor, étnica e racialmente diversificado, de recrutas que são atraídos às ordens religiosas que praticam ritos tradicionais e usam hábitos.
O estudo descobriu que o envelhecimento das freiras e padres americanos foi mais profundo do que muitos católicos pensavam. 91% das freiras e 75% dos padres estão com idade acima de 60 anos e a maioria restante beira os 50.
Eles são a geração definida pelo Concílio Vaticano II, da década de 60, que modernizou a Igreja e muitas ordens religiosas. Muitas freiras desistiram dos seus hábitos, deixaram o claustro, conseguiram um diploma de ensino superior e começaram a trabalhar em profissões diversas e no serviço comunitário. O estudo confirma que há muito se suspeitava: que estas ordens religiosas mais modernas estão atraindo cada vez menos membros.

Tanto o estudo quanto o artigo publicado agora não isentam o Concílio Vaticano II da sua culpa pela secularização da vida religiosa. Entretanto, se convergem na crítica e na raiz do problema, convergem também na solução.

Eles são mais atraídos ao estilo de vida
religioso tradicional. Foto de ordenação da FSSP
Eles são mais atraídos ao estilo de vida religioso tradicional, onde há comunidade, oração comum, a missa coletiva, rezando-se a liturgia das horas em grupo. Eles estão inclinados a dizer que a fidelidade à Igreja é importante para eles. E eles realmente estão procurando comunidades onde os membros usam hábitos” .

Onde o sacerdócio de todos os batizados é entendido na sua real dimensão, como um dom que necessita imprescindivelmente do sacerdócio ministerial e sacramental para encontrar sentido dentro de uma Igreja que é Corpo de Cristo, então somente ai as vocações religiosas podem encontrar seu sentido de ser.

A vocação religiosa não é uma vocação leiga de uma forma diferente ou alternativa, mas é a vocação cristã mais radical, vivida na Paixão de Nosso Senhor – vida, morte e ressurreição. Uma não inferioriza a outra.
Embora as famílias religosas tenham perdido boa parte do seu campo de atuação social (hospitais, escolas, asilos, orfanatos, etc) há certamente novos campos que precisam ser semeados pela Fé imutável da Igreja.

De fato, a dedicação quase exclusiva dos religiosos em campos sociais pode ter contribuído de alguma forma para a crise em que se encontram hoje. O campo da fé – terreno especial dos religiosos – está coberto de joio e ervas daninha e aguarda o retorno dos seus trabalhadores.

Talvez também o Vaticano II guarde em si a chave para o reflorescimento das ordens. O retorno ao carisma original é a única forma de recuperar e revitalizar as inúmeras famílias religiosas. Retornar ao mais elementar do seu carisma, como desejou o Vaticano II, mas de uma forma corajosa, vivendo na radicalidade a regra e a disciplina, diferente do que foi feito ambiguamente pelo Vaticano II.
Depois de todo inverno, há sempre uma verdadeira primavera!

2 comentários:

Anônimo disse...

Você já viu a mais nova palhaçada?

http://www.tradicaoemfoco.com/2011/09/papa-ira-comemorar-as-95-teses-de.html#more

Renato Lima

Anônimo disse...

"Não por acaso, quem melhor se manteve de pé foram os mosteiros de clausura, que continuaram propondo uma Regra exigente, conforme a Tradição.:

Eu tenho uma forte tendência para a vida religiosa. Acho que o motivo principal pelo qual não me consagrei até hoje e talvez nem chegue a me consagrar, é justamente a falta de radicalidade na vida religiosa.

Eu não tenho ânimo de abandonar tudo e ficar pulando de congregação em congregação na busca de alguma fiel ao papa.

Eu sei a importância e a graça que é a vida religiosa para a Igreja. E é justamente por isso que considero esta possibilidade. No entanto, não há nenhuma congregação/ordem em Brasília que me chame atenção (no sentido de ser o meu carisma e apresentar o distintivo de ser tradicional).

Assim, continuo como leigo, na perspectiva do sacerdócio universal mencionada pelo texto.

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