Polêmicas de um lado. O que me chama atenção nas palavras do purpurado (vou usar todos os adjetivos cardinalícios possíveis!) foram aquelas sobre o ecumenismo com os ortodoxos.
Não é segredo para ninguém que o papado de Bento XVI rompeu o diálogo com os protestantes. O ecumenismo pode ser classificado de algumas formas, no tempo:
Clandestino - Ecumenismo da época dos papas Pios, que visava uma unidade quase sincretista, não importando as diferenças gritantes entre os envolvidos.
Conciliar - Iniciado por João XXIII e Paulo VI. Um ecumenismo que saia das catacumbas e tomava as universidades, paróquias e organizações católicas. Marcado exclusivamente pelo impulso e dominado pela asa progressista da Igreja. Início do caos teológico e da crise de identidade da Igreja Católica. Questão do "subsists in"
JoãoPaulino - De grandes eventos e declarações dúbias (com Luteranos e Anglicanos). Uma era de gelo para as relações com ortodoxos e uma verdadeira primavera para os protestantes. Destaca-se o papel dos cardeais Willebrands e Kasper.
Beneditino - Começa a tomar corpo agora. Prioriza as questões teológicas e, por isso, foca-se unicamente na unidade com os ortodoxos. Para esse novo ecumenismo a palavra conversão não é assustadora ou herética.
Bento XVI percebeu que o ecumenismo dialogante não poderia dar resultados. Assumindo que católicos e ortodoxos compartilham basicamente a mesma fé, com algumas diferenças (graves), ele coloca questões realmente delicadas nas discussões com os ortodoxos. É o que o Príncipe da Igreja, Dom Burke, responde:
"Acredito que houve um esforço constante para ajudar os ortodoxos a entenderem o ministério petrino como a Igreja católica o entende. (...) a questão do primado de Pedro é uma grande questão"
Palavras importantes, porque os ortodoxos entendem o ministério petrino de maneira muito superficial, preconceituosa e focada unicamente na questão do poder. Parece ser mais relevante para os ortodoxos o fato do Bispo de Roma poder ingerir em qualquer diocese que a unidade da Igreja em si, ou seja, é uma questão de manter o "brio" dos bispos. Essa colegialidade absoluta na ortodoxia é um verdadeiro caos, gerando grandes conflitos quando se trata do reconhecimento das novas dioceses ou dos novos patriarcados. Constantinopla reconhece essa comunidade autocéfala, mas Moscou não, e assim por diante...
Está claro que com os protestantes a unica via possível é a da conversão absoluta. Anglicanorum Coetibus é prova disso. Os protestantes foram tão longe que já não é possível reconhecer em muitas confissões qualquer traço de cristianismo.
Com os ortodoxos, contudo, a situação é mais delicada, pois não só há uma forte convergência dogmática em vários pontos (mas não todos), como os ortodoxos são verdadeiros bispos, verdadeiros padres, seus sacramentos são válidos.
O diálogo teológico, expondo claramente as diferenças e dificuldades é saudável. É isso que a integração com a Doutrina da Fé e um presidente mais ortodoxo do Conselho para Unidade dos Cristãos visa.
É a primeira vez na história em que tradicionalistas e conservadores conseguem elogiar um presidente do dicastério ecumênico de Roma. Tudo isso só é um sinal desse novo ecumenismo, teológico, que nasce com Bento XVI, Dom Koch e alguns outros prelados da Cúria que, vez ou outra, expressam suas opiniões corretas nesse sentido.
O endurecimento do ecumenismo, minha opinião, faz parte de um imenso pacote que jamais poderia ser pensado 5 anos atrás e que inclui também: restauração litúrgica, debate público sobre o Vaticano II e nomeações episcopais e cardinalícias mais tradicionais.
Para isso, Bento XVI precisou remover uma estrutura antiga, obsoleta que se encastelava no Vaticano: Sodano, Ré, Kasper e Piero Marini. Todos representantes da velha-guarda onde poder político e heterodoxia se misturavam admiravelmente.
Para concluir, o entrevistador pergunta que tipo de cardeal Dom Burke espera ser. O eminentíssimo cardeal responde:
Simplesmente alguém que está 100% com o Santo Padre, utilizando qualquer dom que Deus me deu para ajudar o Santo Padre, para dar-lhe algum conselho que ele me pede. Também nas atividades diárias, simplesmente para apoiar e promover o que ele quer e deseja. Espero que para manter esse foco sempre diante de mim. Isso é que é ser um cardeal acima de tudo.
Rezemos para que mais cardeais como Dom Burke reafirmem claramente a doutrina católica mesmo em assuntos ecumênicos, pois esse é o primeiro passo para a unidade - a Unidade na Verdade.