segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Desembarcando da Barca, só de vez em quando

Quando Bento XVI resolve ressuscitar Joseph Ratzinger, as coisas ficam muito estranhas!

O que realmente me incomodou na última polêmica envolvendo o Papa não foi tanto o desvio ou mau uso das suas palavras pela mídia global - francamente, isso era bem previsível. Não foi tanto o Papa ter dito que, num caso de relacionamento entre um homem e um prostituto, a camisinha não seria uma método contraceptivo (o que não deixa de ser verdade, porque dois homens não podem conceber, não é mesmo?). E tem a polêmica da AIDS, da moral, etc...
Na verdade, o que realmente me incomodou é uma direção que o Papa toma quando o assunto são seus livros pós-2005. Em Jesus de Nazaré, Bento XVI afirma logo nas primeiras páginas que seu trabalho não pretende ser uma obra magisterial e que qualquer um é livre para discordar das opiniões contidas ali.
Ok. O Papa não é infalível, magisterial ou absoluto em cada espirro. Isso é fato. As condições da infalibilidade são, ironicamente, muito restritas. Contudo, quando se elegeu Papa, em abril de 2005, Joseph Ratzinger morreu.
Um engenheiro é um profissional que atua X horas por dia. Quando está em casa, com a família, ele assume o papel de pai, marido, filho, etc. O mesmo não se pode dizer daqueles chamados ao sacerdócio ou episcopado. Por isso eles são vocacionados, chamados, e não contratados ou admitidos. Eles o são para sempre, 24 horas por dia.
As opiniões de um Papa, magisteriais ou não, terão um peso imenso dentro do orbe católico. Na minha humilde opinião, quando Bento XVI se comporta como Joseph Ratzinger, a confusão é grande e resulta sempre num estrago para a Igreja.
Não acredito que a polêmica da camisinha vai caminhar mais do que já caminhou. O mundo rápido e ávido por notícias alarmantes tem um lado positivo: rapidamente muda seu foco. A polêmica já acabou.
No diálogo com Peter Seewald, como em Jesus de Nazaré, o foco da atenção não foi Bento XVI, mas Joseph Ratzinger. Parece confuso? E é mesmo!
Nunca, até onde sei, um Papa lançou livros teológicos fora da sua função de Papa, ou seja, afirmando que não se trata de uma obra do pontificado atual. JPII lançou vários livros, mas em todos emitiu juízos como pontífice (corrijam-me se estiver errado).
Parece que o papado torna-se uma instituição de fato, onde o Papa é um mero administrador de uma função e não o Vigário de Cristo na Terra.
Sem contar o impacto que o "podem discordar de mim a vontade" pode ter subjetivamente em várias pessoas, num mundo onde a autoridade pontifícia é questionada e contrariada cotidianamente.
Essa confusão toda me deixa... confuso!

7 comentários:

Rafael Vitola Brodbeck disse...

Meu caro Danilo,

Tu quem pediste, hehehe

"JPII lançou vários livros, mas em todos emitiu juízos como pontífice (corrijam-me se estiver errado)."

Os livros de JPII estão cheios de opiniões e juízos sobre temas históricos, como as dinastias polonesas e as guerras contra os teutônicos. E vejamos que é um tema religioso também, pois os teutônicos que lutaram contra os polacos, era de uma Ordem religiosa católica!

Um dos Bentos, acho que o XIV, escreveu uma famosa obra sobre canonizações e beatificações, um tema canônico, e isso depois de ser Papa, e lançando juízos de canonista e teólogo.

O Papa atual, Bento XVI, não foge do exemplo: faz exatamente a mesma coisa que Bento XIV e que João Paulo II.

Um grande abraço,

Danilo disse...

Rafael
O que eu quis focar não era escrever sobre qualquer assunto, o que, obviamente, qualquer papa pode fazer e realmente alguns fizeram, como você apontou. O problema é escrever, não importando o tema, como se não fosse o Papa.
É como se o Papa apertasse uma espécie de "pause" e nos dissesse: agora é outra pessoa que está falando, não Bento XVI
JPII escreveu muito e em seus livros podemos ler a opinião de um Papa sobre esse ou aquele assunto. Já Bento XVI faz diferente. Dá a impressão que em Bento XVI existem "duas pessoas".
Nenhum papa anterior quis se desvencilhar da sua atual condição para emitir juízos.
Não sei se expliquei minha ideia direito :)

Anônimo disse...

Essas indas e vindas parecem muito necessárias para que o Santo Padre atue com a menor ruptura possível, quer agradando gregos, quer troianos.

Acho que deveríamos ver com maior naturalidade este pingue-pongue pontifício: graças a Deus, para cada verbalização esquisita do Santo Padre, há em contrapartida uma medida prática católica... Ele fez essa confusão a respeito da camisinha para ludibriar os mundanos, mas há poucos dias deu um chapéu para Ranjith, outro para Bertolucci, outro para Burke, outro para Piacenza...

http://regisaeculorumimmortali.wordpress.com/
Bruno Luís Santana

Rafael Vitola Brodbeck disse...

Danilo,

Sim, explicou, mas eu já tinha entendido. E mantenho. Bento XIV, o XIV mesmo, escreveu como canonista, não como Papa, para usar a tua linguagem.

OBLATVS disse...

Danilo,

Saúdo seu regresso!

Concordo em parte com você, mas não desembarco nem por um instante (rs).

De fato, as palavras do Papa sobre os preservativos, embora não mudem a doutrina católica, contêm uma novidade de alcance pastoral.

Para não dizer muito é suficiente lembrar que os conselhos e as penitências dadas pelo sacerdote aos fiéis na Confissão são sempre um juízo pessoal, ainda que informado pela doutrina da Igreja. E não há como negar que as palavras do Papa haverão de influenciar os confessores doravante.

Mas também o debate teológico será influenciado. O Papa deu seu aval tácito à casuística moral, que não é novidade alguma na história da teologia. Aguardemos os desdobramentos.

Pe. Clécio

Anônimo disse...

Caro Danilo:

Entendi seus argumentos e sinto sua preocupação. Mas vejo que o Papa não "dicotomiza": não há um Bento XVI e outro Joseph Ratzinger (que deveria ficar calado?).
Quem fala é um só: o Papa, que conserva a doutrina intacta. Mas ele sabe que não pode matar Joseph Ratzinger e sem o qual não existiria o Bento XVI. Os dois formam uma unidade: pessoa e ministro. O ministério não mata a pessoa. A universalidade do ministério não elimina a singularidade do ministro. Ele foi eleito justamente por ser Joseph Ratzinger (fiel, sábio, seguro) e não lhe foi pedido que deixasse de ser. Pediu-se que conservasse e transmitisse a fé recebida. E sabe que não pode fazer da sua condição uma usurpação: não pode impor suas opiniões como certezas. Ele é um papa que se interroga e, por isso , interroga também a nós. Sabe que corre o perigo da distorção, mas nem por isso deixa de prestar esse serviço. Ele mostra que há uma Igreja aberta ao diálogo. O papa está falando como professor (e o fez em Ratisbona, no momento em que agia como papa) pois sabe os seus destinatários: todos os homens de boa vontade. Como papa, poderia passar a impressões que fala só aos católicos. Mas como professor, interrogante, fala a todos. E com essa postura pode levar a muitos a querer ouvi-lo como papa, como pastor e guia de almas.
O papa sabe, apenas, que não deve se furtar a perguntas que todo católico se faz. A dúvida é o caminho para a certeza e não a sua inimiga. Existe um pluralismo de opiniões que pode condividir o mesmo espaço com a doutrina da Igreja. Nem tudo é dogma e o papa pode falar em "hipóteses" e não somente em "dogmas". Coexistem as “formulações definitivas” e a “pesquisa teológica”. Por isso, ele deve, sim, em momentos oportunos, “suspender” o “servo dos servos de Deus” para que fale “o humilde trabalhador da vinha do Senhor”, o “colaborador da verdade”. Pois vale o princípio: In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas. Aqui, para aplicar a máxima do Cardeal Newman a essa situação, o papa mesmo brinda primeiro à consciência. E justamente por sua postura eu brindo (primeiro) ao Papa!

Na unidade,

Rudy Albino de Assunção
Gravatal - Santa Catarina

Anônimo disse...

Caro Rudy,
desculpe-me intrometer na conversa,mas o assunto é tão interessante que eu não pude evitar.Primeiramente,eu gostaria de dizer que,sim,Joseph Ratzinger morreu quando Bento XVI foi nomeado.Afinal,esse é o simbolismo da troca de nomes.Poderiamos chamar Bento XVI de Papa Ratzinger,mas optamos pelo primeiro por causa da carga que a troca significa:Uma nova vida.Por exemplo,Simão deixou de ser Simão quando se tornou Pedro.De modo que,o que seria perfeitamente aceitável para Joseph Ratzinger talvez não o seja para Bento XVI.Essa polêmica do preservativo é um bom exemplo:Se o cardeal Ratzinger aventasse a possibilidade de a camisinha não ser de todo mal,isso seria perfeitamente aceitável,pois é lícito que os teólogos papais duvidarem de matérias não dogmáticas(apesar de que o uso da camisinha é tão condenado pelos papas anteriores que ele teria que agir como um advogado do diabo hehehe).Porém,o papel de Bento XVI é instruir os fiéis na verdade,e hipóteses e possibilidades,nesse campo,confundem as ovelhas.O que Bento XVI precisa urgentemente é de uma boa secretaria de comunicação,porque ele vive cometendo esses pequenos erros que mancham seu grande reinado.
Danilo,Site belíssimo,porém um pouco lento.Mas mesmo assim está ótimo,continue o bom trabalho!

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