Com certeza muitos [dos poucos] católicos brasileiros que compreendem o atual contexto eclesial e acompanham com interesse os rumos litúrgicos da Igreja se perguntam, com razão, como a reforma litúrgica empreendida por Bento XVI - a chamada reforma da reforma - ainda não desembarcou por essas terras.
Esses mesmos católicos sabem que, salvo exceções pontuais que podem ser contadas nos dedos das mãos, muitos bispos não agem com o zelo devido a vida litúrgica das suas dioceses, mas realmente demonstram pouca ou nenhuma atenção com a liturgia.
Embora não seja algo que agrade a todos, Bento XVI adotou uma estratégia de revisão lenta e comedida dos resultados do Concílio Vaticano II. Buscando aplicar a sua "hermenêutica da continuidade", o Papa Ratzinger - que foi perito de influência no Concílio - está olhando com menos paixão para os frutos do Concílio, embora nele não veja mal substancial.
Algumas pedras precisam ser removidas do caminho conciliar para que, segundo a lógica do Papa, o Concílio possa demonstrar a que veio de fato. Para Bento XVI o Concílio ainda não está encerrado, pois falta uma chave de leitura adequada para compreendê-lo na sua complexidade. O que se viu até o momento, segundo Ratzinger, é a aplicação de um espírito liberal, distorcido do verdadeiro Espírito do Concílio Vaticano II.
Embora seja um projeto tímido, sem decretos ou instruções escritas, liderado pelo exemplo do Papa, a reforma da reforma vem atingindo um número considerável de sacerdotes e fiéis. Nisso até mesmo os opositores do Papa reinante precisam concordar: a liturgia católica está um pouco melhor, mesmo estando longe da perfeição e da clareza do rito antigo.
Contudo no Brasil isso não parece ter efeito; a reforma da reforma não caminha por aqui, salvo, como já dito, alguns exemplos pontuais.
E porque não acontece? Simples! Porque no Brasil ainda há uma paixão tão descabida pela hermenêutica da ruptura, nas altas esferas da Igreja no Brasil, que toda a ação do Papa Bento XVI e dos seus colaboradores mais próximos (por menor e mais oficiosa que seja) é imediatamente anulada. A Igreja no Brasil possui a sua própria agenda litúrgica (e teológica) e não dá sinais de "uma generosa abertura de coração" em direção ao pontífice.
E o ano de 2012 oferece uma boa oportunidade para, depois de 6 anos e alguns meses do pontificado de Bento XVI, relançar a hermenêutica da ruptura na vida litúrgica do país. Eis um texto, da CNBB, que nos mostra com clareza as bases da contra-contra-revolução.
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Estiveram presentes cerca de 180 pessoas, entre bispos, presbíteros, leigos e leigas do Brasil e da América Latina. O Seminário tem como temática a Releitura da Sacrosantum Concilium, no Contexto do Concílio Vaticano II e nos Documentos Latino-Americanos. O Seminário de Liturgia acontece de 31 de janeiro a 04 de fevereiro.
Promovido pela Associação dos Liturgistas do Brasil (ASLI) e pela Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em parceria com a Rede de Animação Litúrgica (Rede Celebra), Centro de Liturgia, Revista de Liturgia, o evento tem por objetivo retomar as intuições e a teologia litúrgica na Sacrosanctum Concilium e demais constituições e decretos do Vaticano II e documentos pós-conciliares, no contexto da renovação da liturgia da América Latina e Caribe, à luz de Medellin, Puebla, Santo Domingo e Aparecida, em busca do rosto e do lugar da liturgia na vida e na missão da Igreja como serviço para a vida plena em Cristo e ao acontecimento do Reino de Deus.
O Seminário Nacional conta a assessoria principal do professor de Teologia Sacramental na Pontifícia Faculdade Teológica da Universidade de São Anselmo em Roma, e professor de teologia no Instituto de Liturgia Pastoral de Pádua, Andrea Grillo.
O assessor da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia, da CNBB, padre Hernaldo Pinto Farias, lembra que este é o 1º evento, da agenda de eventos da CNBB, que homenageará os 50 anos do Concílio Vaticano II. “O Sacrosanctum Concilium foi o primeiro documento aprovado no Concílio Vaticano II, daí sua importância”, explicou o assessor da CNBB.
Segundo dia
O segundo dia do Seminário Nacional de Liturgia teve inicio com a celebração eucarística presidida pelo secretário geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Ulrich Steiner.
Em seguida, dando abertura aos trabalhos no auditório, o secretário geral enfatizou a importância da Liturgia na prática pastoral e sua relação com as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015 (DGAE).
O dia prossegue com a primeira reflexão do assessor do evento, Andrea Grillo, que reflete sobre o tema: “Liturgia, momento histórico da salvação na Sacrosanctum Concilium e nos Documentos Latino-Americanos. Em seguida, o presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia, dom Armando Bucciol, amplia a reflexão do tema do dia.
À tarde, os participantes interagem com a temática através da participação em minisseminários.
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Primeiro é importante notar como a Sacrosanctum Conscilium deve ser lida: no contexto dos documentos latino-americanos. A tônica da discussão gira em torno da materialização do condenado espírito do Vaticano II, que se deu justamente nas conferências do CELAM de Puebla e Medellin.
Puebla e Medellin foram tentativas - muito bem sucedidas - de se implantar no Brasil, ou melhor, de consolidar no país a "práxis" marxista da teologia da libertação. Podemos dizer, sem erro, que essas duas assembleias do CELAM foram o verdadeiro Concílio da Teologia da Libertação e, por isso mesmo, sua autoridade e seu alcance são inquestionáveis, mesmo entre os bons bispos. Você já ouviu um bispo brasileiro criticar o CELAM de Puebla ou Medellin?
Quem é o professor Andrea Grillo? Resumimos em algumas citações do docente do Santo Anselmo1:
"Se, ao contrário, colocamos ao lado da tradição renovada [pelo Concílio] uma tradição velha, permitimos que uma nostalgia de curto respiro ameace a própria tradição, interrompa suas principais vias de comunicação e de transformação. A tradição muda ao longo do tempo, mas torna-se tradicionalismo quando não aceita essa mudança estrutural e se fixa rigidamente, com pretensões de perenidade. Desse modo, morre a tradição: em nome de ataques pessoais e de sensibilidades nostálgicas".
" Considerar vigente o Missal de 1962 é uma ficção jurídica que não se sustenta nem diante de Paulo VI, nem diante de João XXIII. E é uma ficção jurídica ainda mais grave por ter sido conjecturada pela primeira vez por parte dos círculos tradicionalistas, no início da Reforma Litúrgica, para fazer resistência à própria Reforma. Surpreende que o Papa Bento XVI tenha assumido uma teoria tão inconsistente no plano jurídico e com consequências tão incontroláveis no plano litúrgico, eclesial e espiritual. "
"O Concílio promove uma Reforma para que todos possam sentir o ritual como linguagem “própria”. Por isso, é muito difícil defender que o recente documento Universae Ecclesia não é contra a Reforma Litúrgica, visto que ele encoraja uma participação que inevitavelmente é a de “espectadores mudos”".
Como se vê, Andrea Grillo representa a escola da ruptura litúrgica. Com uma mistura seletiva e mirabolante de história, direito e suas próprias concepções, ele consegue não apenas apresentar uma opinião desfavorável ao que o Papa Bento XVI vem fazendo, mas consegue acusá-lo de tudo aquilo que ele próprio - Bento XVI - quer e vem evitando.
O título do artigo de Grillo - Por uma Ecclesia verdadeiramente Universa - é interessante. Para Grilo, como para qualquer bom progressista, a Igreja deve acolher a todos, exceto os tradicionalistas e conservadores que sustentam uma Tradição com "T" maiúsculo. Deve respeitar todas as opiniões, desde que não sejam opiniões contrárias à agenda modernista. Deve mudar sempre, a não ser que a mudança signifique um retorno a sua natureza "tridentina", dogmática, etc. Enfim, a Igreja deve assumir um caráter verdadeiramente totalitário, totalitariamente alienada da Verdade.
O título do artigo de Grillo - Por uma Ecclesia verdadeiramente Universa - é interessante. Para Grilo, como para qualquer bom progressista, a Igreja deve acolher a todos, exceto os tradicionalistas e conservadores que sustentam uma Tradição com "T" maiúsculo. Deve respeitar todas as opiniões, desde que não sejam opiniões contrárias à agenda modernista. Deve mudar sempre, a não ser que a mudança signifique um retorno a sua natureza "tridentina", dogmática, etc. Enfim, a Igreja deve assumir um caráter verdadeiramente totalitário, totalitariamente alienada da Verdade.
É essa mentalidade - de Grillo - que irá guiar a reflexão da CNBB na "retomada das intuições" da Sacrosanctum Conscilium. Enfim, veremos sim um novo movimento litúrgico nascendo no Brasil a partir dessas reflexões. Mas será mais do mesmo, mais da mesma lenga-lenga da ruptura! Para Grillo, para o CELAM e para algumas pobres almas da CNBB [que infelizmente comanda uma maioria muda e impotente de bispos conformados], ainda que a tradição deva mudar, o dogma do Espírito do Concílio permanece intacto.
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