A grande vantagem do espiritismo em terras brasileiras foi a sua camuflagem de cristão. Na França, onde surgiu, o espiritismo não tomou aspectos de religião, no sentido oficial da palavra, mas se tornou um espiritismo "científico", embora com métodos científicos bem diversos daqueles da ciência, digamos, secular. Contudo, isso foi um abandono da própria raiz do espiritismo, como veremos numa citação mais adiante.
Por sua própria natureza o espiritismo não pode ser considerado cristão, pois não crê na divindade de Jesus Cristo, por exemplo, e nega o caráter divinamente inspirado da Bíblia, que para eles é apenas um livro escrito por mãos humanas que deve ser interpretado segundo a chave - essa sim uma "revelação" - contida no pentateuco kardecista (5 livros escritos por Kardec, ditados pelo espírito consolador que, segundo o espiritismo, é o próprio Espírito Santo. A saber: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno ou Justiça Divina Segundo o Espiritismo, A Gênese - os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo).
Não raro os espíritas fazem uso de citações isoladas e descontextualizadas da Sagrada Escritura, da mesma forma como o fazem as seitas protestantes. E o fazem com o único intuito de justificar a doutrina contida no Pentateuco Kardecista, ou seja, embora Kardec afirme que o espiritismo veio para plenificar a doutrina deixada por Jesus Cristo, é preciso ler a doutrina cristã através da chave espírita e não, como se esperaria, o contrário. Se a doutrina espírita for lida conforme o Espírito do Evangelho, então veremos a flagrante contradição, sobretudo na questão da divindade de Jesus Cristo, tão clara nos Santos Evangelhos desde a sua concepção milagrosa até a sua ressurreição e ascensão. Para os espíritas, contudo, Jesus Cristo não é Deus, mas sim um espírito elevadíssimo, uma criatura.
Feita essa brevíssima introdução e demonstrando com a mesma brevidade a incompatibilidade fundamental entre o espiritismo e o catolicismo, podemos prosseguir.
No último dia 01 de fevereiro, Dom Paulo Sérgio Machado, bispo de São Carlos, publicou um breve texto intitulado "
Espiritismo: teoria ou religião?". Aparentemente o texto provocou algum desconforto entre alguns católicos "de mente curta", segundo o bispo, já que o texto queria "
mostrar que muitas pessoas classificadas como “espíritas” não são espíritas, mas estão “espíritas”".
O primeiro texto suscitou alguma reação que chegou mesmo a ser enviada à Nunciatura Apostólica e fez com que o bispo de São Carlos publicasse ontem um novo texto -
O Bispo deve ser Profeta - onde excomunga um grupo de supostos videntes de Nossa Senhora em Araraquara. Pelo que podemos compreender são esses videntes, ou alguém próximo a eles, que enviaram à Nunciatura alguma espécie de denúncia contra o bispo pelo artigo sobre o Espiritismo.
Não me atenho a isso, pois é irrelevante. A denúncia, bem como a veracidade ou não das aparições de Nossa Senhora em Araraquara (aparições que até hoje eu nem sabia que existiam), não me interessam. O que me interessa é o conteúdo do artigo sobre o Espiritismo, de Dom Paulo Sérgio, que parece favorecer o sincretismo e até mesmo induzir a um endosso do espiritismo.
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I - Espiritismo é uma religião?
No meu ponto de vista, três coisas devem ser consideradas. Primeiro, que toda religião tem doutrina e culto. O espiritismo tem doutrina e não tem culto. Daí ser uma teoria e não uma religião. Basta ver que os espíritas estão mais ligados à Igreja Católica. Dificilmente se encontra um espírita evangélico, isto é, protestante. Eles fazem questão de batizar os filhos na Igreja Católica, casar na Igreja Católica e chegam até encomendar missa de sétimo dia, na igreja Católica, para os familiares falecidos. (cf. Espiritismo: teoria ou religião? MACHADO, Dom Paulo Sergio)
Aqui começa todo o problema. Ao considerar o espiritismo apenas como uma doutrina, pois este é desprovido de culto, ou seja, uma forma externa ou manifestação da religião, Dom Paulo usa do mesmo argumento dos próprios espíritas. Segundo os espíritas modernos, o espiritismo não seria uma religião propriamente, mas uma ciência espiritual que pode acolher em si todas as religiões. Muitos espíritas, levando em conta esse argumento, realmente frequentam as missas, recebem a comunhão e os demais sacramentos; até mesmo cunham novas palavras como "espiritólico" (católico+espírita), não percebendo ou não querendo perceber a incompatibilidade natural entre a Igreja de um Espírito único e a doutrina de uma Legião de espíritos. Dom Paulo, usando deste mesmo argumento para começar (e concluir) o seu texto,
aceita o presente dos gregos[1].
É, pois, o espiritismo uma religião? Para isso recorremos ao próprio Kardec que, sem sombra de dúvida, é a autoridade central do espiritismo:
Eis o Credo, a religião do espiritismo, religião que pode conciliar-se com todos os cultos, isto é, com todas as maneiras de adorar a Deus. Esse é o laço que deve unir todos os espíritas numa santa comunhão de pensamentos, enquanto se espera que ele ligue todos os homens sob a bandeira da fraternidade universal". (cf. KARDEC, Allan, discurso na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, nov. 1863, grifos meus)
Na citação acima vemos que Kardec já definia o espiritismo como uma religião. E vemos que o argumento da compatibilidade do espiritismo com TODAS as religiões é propugnado.
II - Reencarnação - a única coisa que nos separa?
A única coisa que, no espiritismo, contraria a Igreja Católica é a teoria da reencarnação. Isso porque ‘bate de frente’ com a fé na ressurreição. Eu chamaria isso de “atalho”, E o que é um “atalho”? O dicionário vem em nosso socorro: “caminho que encurta a distância entre dois pontos”. No mundo moderno temos muitos atalhos: o quebra-molas, por exemplo. É mais fácil colocar um obstáculo na estrada do que educar para o trânsito; o preservativo: é mais fácil recomendar o seu uso do que promover uma educação para a castidade. Assim, a reencarnação: é mais fácil “dar uma chance” à alma penada do que exigir dela, em vida, uma conversão. (cf. MACHADO, Dom Paulo Sérgio, ibidem, grifo meu)
Aqui Dom Paulo incorre num erro por falta. Falta-lhe conhecimento mais profundo da Doutrina Espírita. A reencarnação não é a única coisa que contraria a Igreja Católica. Na doutrina espirita há inúmeras teorias ou dogmas, se podemos colocar dessa forma, que contrariam abertamente a fé católica e mesmo o Evangelho. A reencarnação é apenas uma delas, mas não a única.
Há no espiritismo uma visão totalmente diferente da própria natureza da pessoa, da sua finalidade enquanto criatura de Deus, do pecado, da finalidade da conversão, etc. No espiritismo toda a obra da redenção em Jesus Cristo é esvaziada e cada um é redentor de si mesmo através das múltiplas reencarnações, onde se aperfeiçoa, purga os pecados cometidos numa vida anterior e evolui e faz a humanidade evoluir consigo.
É evidente que, como propõe Dom Paulo, podemos considerar a reencarnação como um atalho. Mas dom Paulo esqueceu de esclarecer que é um atalho desonesto. Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduzem à perdição e numerosos são os que por aí entram (cf. Evangelho de São Mateus, 7,13). Todo atalho traz em si um quê de desonestidade, uma recusa em trilhar o caminho demarcado e, no caso específico do espiritismo, uma recusa em aceitar a finitude da vida e abraçar a cruz e a Graça como via única de salvação.
As sucessivas chances - reencarnação - não são obra de misericórdia divina, pois o espírito humano, marcado pelo pecado, tende a acomodar-se no pecado se lhe falta a consequência. Da mesma forma que questionamos hoje a progressão continuada no sistema educacional, onde cada aluno é aprovado sem saber e não pode ser reprovado, devemos questionar essa "progressão continuada espiritual" onde cada espírito é impelido a uma nova vida terrena, sem a possibilidade da danação.
A reencarnação, segundo o espiritismo, é a forma mais perfeita de misericórdia. Por isso eles rejeitam e ridicularizam o inferno eterno, pois este seria supostamente incompatível com um Deus amoroso e misericordioso. Para o católico, contudo, o inferno tem o seu lugar. Deus é sumamente bom e quer salvar todas as almas, mas ele respeita o livre arbítrio da pessoa; o pecado é a recusa do homem ao amor de Deus e fora desse amor há apenas a morte (cf. Romanos, 6,23), da mesma forma que fora da luz há apenas as trevas.
A doutrina da reencarnação priva o ser humano da sua liberdade. O destino de todos os homens é a evolução plena, onde cada espírito vai se elevando a cada nova encarnação. Ora, o próprio Evangelho contradiz essa máxima tantas vezes que seria exaustivo cita-las todas. Tem na mão a pá, limpará sua eira e recolherá o trigo ao celeiro. As palhas, porém, queimá-las-á num fogo inextinguível. (cf S.Mateus 3, 12). O Evangelho é claro: há a condenação eterna, há o inferno.
Também qualquer jornal, com sua coluna policial, contraria o espiritismo, pois se o caminho do homem é o aperfeiçoamento através de sucessivas encarnações, então a humanidade como um todo deveria estar sempre se elevando em termos de moral. Isso acontece? Sem dúvida que não! Uma sociedade que considera, por exemplo, o assassinato de um ser humano indefeso no ventre materno certamente não é uma sociedade evoluída; a sociedade da época de Kardec (séc. XIX) era muito mais evoluída, do ponto de vista moral, que a sociedade que temos hoje.
III - O Grande e Grave Erro de Dom Paulo
Espiritismo: teoria ou religião? Para mim, perguntar se um espírita pode ser católico é o mesmo que perguntar se um evolucionista ou capitalista também pode. Ou, para ser mais radical, um corintiano pode ser católico? Ou, então, um católico pode ser corintiano? Não só pode, como deve. (cf. MACHADO, Dom Paulo Sérgio, ibidem, grifos meus)
No seu artigo intitulado "O Bispo deve ser Profeta", Dom Paulo escreve:
No artigo que escrevi sobre o espiritismo e que as mentes curtas de alguns não entenderam, eu quis mostrar que muitas pessoas classificadas como “espíritas” não são espíritas, mas estão “espíritas”. Vão em busca de um remédio, de uma solução para os seus problemas.
Não se trata de um problema de interpretação, nem mesmo de uma incapacidade do leitor. Até mesmo as mentes mais alongadas e aguçadas podem chegar a mesma conclusão quando leem o último parágrafo, que é o mais importante, do artigo "Espiritismo: teoria ou religião?".
No artigo sobre o espiritismo, dom Paulo afirma - afirma - que o católico pode ser espírita. Não só pode, como deve. Tudo isso porque, segundo Dom Paulo, o espiritismo não é uma religião, mas sim uma doutrina sem culto, algo como o evolucionismo, o capitalismo e até mesmo o "corintianismo". Seria então a Igreja Católica um culto sem doutrina? Pois dois corpos - duas doutrinas - não podem ocupar o mesmo lugar no espaço.
Por isso Dom Paulo afirma que muitas pessoas classificadas como “espíritas” não são espíritas, mas estão “espíritas”. Dom Paulo equipara o espiritismo, em seu texto "O Bispo deve ser Profeta", a uma espécie de auto-ajuda espiritual, mas o isenta do prefixo de religião. Não percebe o bispo, o pretende não perceber, os reais perigos dessa postura sincretista.
Ao dizer que não há problemas em ser espírita e até mesmo ao recomendar o espiritismo (não só pode, como deve), dom Paulo se choca com a doutrina católica em gênero, número e grau. Na verdade o texto é um chamado à apostasia. E vem de um bispo que "deve ser Profeta".
IV- Conclusão
Lendo os dois textos podemos deduzir que algum grupo de supostos videntes de Nossa Senhora denunciou Dom Paulo à Nunciatura pelo conteúdo preocupante do texto sobre o espiritismo.
Como escrevi, não tenho conhecimento algum sobre as supostas aparições de Nossa Senhora em Araraquara. Se, como explica o bispo, as aparições servem para iludir os fiéis e deles tomar o dinheiro, então Dom Paulo merece os nossos sinceros parabéns pela luta; essa é a função do bispo, vigiar pelo Povo de Deus!
Contudo, as questões de Dom Paulo com os "videntes" de Araraquara não são menos preocupantes que o texto de Dom Paulo. Na verdade, até mesmo no texto "O Bispo deve ser Profeta" vemos certa ridicularização de Maria, que na pena de Dom Paulo se torna uma militante de esquerda que não gosta muito de falar em conversão:
(...)Prefiro que me afastem das funções de Bispo de São Carlos a mancomunar com falsos profetas que vivem iludindo o povo simples com mensagens repetitivas de Nossa Senhora: “ convertam-se, filhinhos, rezem”. Isso é o óbvio. Nunca Nossa Senhora de Araraquara disse: “ Sejam justos; paguem o salário justo; não fiquem iludindo os simples; não acumulem riquezas roubando dos pobres...”
A Nossa Senhora que aparece em Araraquara, para meu gosto é muito condescendente, muito “acomodada”. A Nossa Senhora que eu conheço e venero é a Nossa Senhora do Magnificat que diz: “ saciou de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias” (Lc. 1,53). Uma Nossa Senhora comprometida com os pobres e não exploradora deles. Uma Nossa Senhora corajosa e que não fica “ tapando o sol com a peneira”. (grifos meus)
Certamente a Nossa Senhora que Dom Paulo "conhece e venera" não é só diferente da suposta Nossa Senhora de Araraquara (novamente reafirmo que dessas supostas aparições nada sei), mas é também diferente da Nossa Senhora que apareceu em Fátima e em Lourdes, só para citar as mais famosas.
Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes e em especial quando fizerdes algum sacrifício: "ó Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria (cf. Aparição de Fátima, 13/07/1917)
Penitência! Penitência! Penitência! Roguem a Deus pelos pecadores.Beijem o chão como um ato de penitência pelos pecadores! (Cf. Aparição de Lourdes, 24/02/1958)
Em todas as aparições de Nossa Senhora reconhecidas pela Igreja como legítimas, a Mãe de Deus convida
repetitivamente a todos à oração, conversão e sacrifícios pelos pecadores. Isso só mostra que é a mesma Maria que se apresenta, amável e preocupada com seus filhos e mostra ainda que a humanidade não "evoluiu", como querem acreditar os espiritas. Contudo, a Nossa Senhora que Dom Paulo quer ver em Araraquara é praticamente uma líder sindical. O convite à oração é, para Dom Paulo, condescendência.
Condescendência, entretanto, é o termo correto para usarmos no artigo sobre o espiritismo. Longe de orientar o povo de São Carlos (e Araraquara) contra os perigos do espiritismo, o texto é um convite aberto ao sincretismo e à perdição das almas. Se por um lado Dom Paulo se volta com força implacável contra os supostos videntes de uma Nossa Senhora "repetitiva", falando até em excomunhão que é algo raríssimo para os bispos de hoje, ele se torna inexplicavelmente condescendente com o espiritismo.
Levantamos assim as nossas mais sinceras preocupações com o tipo de profetismo que é exercido na diocese de São Carlos. O bispo deve ser profeta, para anunciar a Jesus Cristo e o Seu Evangelho, não para endossar o kardecismo e o seu evangelho segundo o espiritismo. Lembramos a Dom Paulo que, na sua consagração, o Evangelho segundo Nosso Senhor Jesus Cristo foi colocado sobre a sua cabeça e não o Livro dos Espíritos; ele foi feito bispo para apascentar o povo católico e não para convertê-los em "espiritólicos".
Nossas mentes podem ser estreitas, mas mesmo assim o erro do artigo é tão gritante que até o mais humilde dos católicos pode perceber.
Senhor tende piedade!
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[1] Uma referência ao cavalo de madeira dado pelos gregos aos troianos que, sem que percebessem ou desconfiassem, culminou para o massacre de Tróia.
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Nós encontramos, na história, vários codificadores de teorias. E teoria, segundo o Aurélio, é o conjunto de princípios fundamentais de uma arte ou ciência. Marx codificou as teses socialistas; Adam Smith, as capitalistas; Charles Darwin, as evolucionistas; Allan Kardec, as espiritistas. Cada um no seu campo específico.
Allan Kardec, por exemplo, preocupado com a vida após a morte, defendia a tese da reencarnação, fundado num princípio de “nova chance”, talvez preocupado com a condenação eterna. Foram muitos os seus seguidores e, principalmente no Brasil, o espiritismo assumiu características de religião. E o vasto tempo de apologética da Igreja católica contribuiu para isso. Daí os espíritas terem sido estigmatizados pelos católicos como hereges.
No meu ponto de vista, três coisas devem ser consideradas. Primeiro, que toda religião tem doutrina e culto. O espiritismo tem doutrina e não tem culto. Daí ser uma teoria e não uma religião. Basta ver que os espíritas estão mais ligados à Igreja Católica. Dificilmente se encontra um espírita evangélico, isto é, protestante. Eles fazem questão de batizar os filhos na Igreja Católica, casar na Igreja Católica e chegam até encomendar missa de sétimo dia, na igreja Católica, para os familiares falecidos.
Em segundo lugar, o que leva uma pessoa a ser espírita? São várias as razões: uns, por tradição: os pais são espíritas, os avós foram espíritas. Outros porque procuram respostas imediatas para questões insolúveis: a morte, por exemplo. Quando uma “alma” envia mensagens, ela, de certa forma, alivia o sofrimento dos que ficaram. Se um filho perdeu a mãe, indo ao centro espírita, julga que se “comunica” com ela, isso serve de alívio para ele.
E, em terceiro lugar, onde o espiritismo se desenvolveu? Nos países subdesenvolvidos. Não se fala de espiritismo, por exemplo, na Europa. Lembro-me que, uma vez, numa visita ad limina – visita que os bispos fazem ao Papa – um bispo brasileiro tentava falar do crescimento do espiritismo no Brasil. E o Papa não conseguia entender o que era o espiritismo de que o vispo falava. É, de certa forma, o “animismo” que caracteriza o “africanismo” e seus cultos.
A única cois que, no espiritismo, contraria a Igreja Católica é a teoria da reencarnação. Isso porque ‘bate de frente’ com a fé na ressurreição. Eu chamaria isso de “atalho”, E o que é um “atalho”? O dicionário vem em nosso socorro: “caminho que encurta a distância entre dois pontos”. No mundo moderno temos muitos atalhos: o quebra-molas, por exemplo. É mais fácil colocar um obstáculo na estrada do que educar para o trânsito; o preservativo: é mais fácil recomendar o seu uso do que promover uma educação para a castidade. Assim, a reencarnação: é mais fácil “dar uma chance” à alma penada do que exigir dela, em vida, uma conversão.
Outro aspecto relevante no espiritismo é a caridade. Os espíritas são caridosos, isto é, promovem a caridade como forma de purificação. Basta ver o exemplo de Chico Xavier. Inúmeras foram as obras de caridade por ele sustentadas. Apesar de seu “status” de médium famoso, procurado por tanta gente, viveu e morreu pobre. Talvez tenha sido esta a “isca” para atrais tantos admiradores. Com certeza, foi isso que fez dele o “papa” do espiritismo.
Espiritismo: teoria ou religião? Para mim, perguntar se um espírita pode ser católico é o mesmo que perguntar se um evolucionista ou capitalista também pode. Ou, para ser mais radical, um corintiano pode ser católico? Ou, então, um católico pode ser corintiano? Não só pode, como deve.
Ser profeta não é adivinhar o futuro, nem muito menos ficar tendo visões de Nossa Senhora. Profeta não é vidente. O profeta, na Bíblia, antes de ser aquele que denuncia, é aquele que anuncia, isto é, que fala em nome do Senhor. Tem gente que vive denunciando e eu aprendi com meus pais que “denunciar” é feio. Nunca gostei desta palavra: ‘denuncie”.
Certamente Nossa Senhora nunca mandou denunciar, como fazem os “videntes” de Araraquara. Segundo o que diz o livro do Gênesis ( 11,9), a cidade corre o risco de receber o nome de Babel. Tudo o que contraria o que eles ensinam, eles denunciam à Nunciatura ( como se a nunciatura fosse uma delegacia de polícia e fazem um B.O.), principalmente se for contra o Bispo, o único que teve a coragem de dizer a verdade e desmascarar as falsas aparições de Maria ( há tantas Marias...). Eu estaria muito bem se não exercesse a minha função de profeta. Como diz Provérbios 29,18: “ Quando falta a profecia o povo se corrompe”.
Eu não me intimido com as ameaças constantes dos falsos videntes de Araraquara. Podem denunciar à Nunciatura, à CNBB, às Congregações Romanas. Prefiro que me afastem das funções de Bispo de São Carlos a mancomunar com falsos profetas que vivem iludindo o povo simples com mensagens repetitivas de Nossa Senhora: “ convertam-se, filhinhos, rezem”. Isso é o óbvio. Nunca Nossa Senhora de Araraquara disse: “ Sejam justos; paguem o salário justo; não fiquem iludindo os simples; não acumulem riquezas roubando dos pobres...”
A Nossa Senhora que aparece em Araraquara, para meu gosto é muito condescendente, muito “acomodada”. A Nossa Senhora que eu conheço e venero é a Nossa Senhora do Magnificat que diz: “ saciou de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias” (Lc. 1,53). Uma Nossa Senhora comprometida com os pobres e não exploradora deles. Uma Nossa Senhora corajosa e que não fica “ tapando o sol com a peneira”.
As locuções de Nossa Senhora ao casal de Araraquara são evidentemente falsas. Um “santuário” que de santuário não tem nada. No artigo que escrevi sobre o espiritismo e que as mentes curtas de alguns não entenderam, eu quis mostrar que muitas pessoas classificadas como “espíritas” não são espíritas, mas estão “espíritas”. Vão em busca de um remédio, de uma solução para os seus problemas. Assim acontece com o “ santuário” de Araraquara. Ali vão aqueles que estão desesperados, doentes, que ali deixam o seu “dízimo” e saem piores do que entraram.
Em nome da liberdade religiosa se cometem abusos e graves. É caso de cadeia. Ludibriar a boa fé do povo, principalmente do povo simples, é um pecado que “ brada aos céus”. Está passando da hora de dar um basta a tudo isso. Há outras maneiras, mais honestas e mais justas, de ganhar a vida. Eu jamais sairia por aí dando bênçãos e fazendo milagres, para ganhar dinheiro. Isso se chama, na Bíblia, “Simonia”, quando alguns espertos quiseram comprar dos apóstolos o poder de fazer milagres.
Araraquara tem hoje 19 paróquias, atendidas por padres ordenados pelo Bispo e não precisa de um “santuário” onde nenhum padre está autorizado a celebrar e, se o fizer, será inválido, porque não está em comunhão com o Bispo e ficará “suspenso de ordens”. As celebrações ali realizadas não têm nenhum valor de sacramento e, digo mais, um católico que freqüenta o referido “santuário” não está em comunhão com a Igreja Católica e, portanto, está “excomungado”, não podendo, consequentemente, receber os Sacramentos da Igreja.
Dom Paulo Sérgio Machado
Bispo de São Carlos
P.S. ( post-scriptum) : o pessoal do “ santuário” pode enviar uma cópia para a Nunciatura, para a CNBB, para a Congregação para os Bispos, para a Congregação da Doutrina da Fé... Podem até me matar, mas eu morrerei profeta. Não deixarei que enganem o meu povo.
Afinal, como disse Jesus na resposta aos fariseus: “Se eles se calarem, as pedras gritarão” ( Lc. 19, 40 ) e eu, seguindo o conselho de Jesus, garanto que não vou me calar.