Em meio às nomeações do dia, a que mais chamou a atenção, sem a menor dúvida, foi a remoção do Cardeal Mauro Piacenza da Congregação para o Clero para a Penitenciária Apostólica. A ligação do Cardeal com a Congregação é antiga, sendo que já em 1990 ele prestava serviços à Congregação. Em 1997 é nomeado oficial da Congregação, em 2000 é feito subsecretário. De 2003 a 2007 passa como presidente pelas Comissões dos Bens Culturais e Arqueologia Sacra, retornando ao Clero em 2007, na qualidade de secretário. Assume definitivamente como prefeito em 2010.
De origem genovesa, o cardeal foi ordenado sacerdote por ninguém menos que o grande Cardeal Siri, o que explica a forte ortodoxia de Piacenza, seu senso litúrgico fiel e a sua discrição.
O Cardeal é muito querido pelos "padres blogueiros" de língua inglesa, pela proximidade e frequência com que escreve mensagens, simples e profundas, aos membros do clero do mundo. Desconheço se o sentimento é compartilhado pelos padres lusófonos.
Piacenza, embora de notável ortodoxia, nunca foi visto como um cardeal tradicionalista, nem fazia muita questão de se envolver neste imbróglio. Mas sempre foi muito estimado pela esfera conservadora e tradicional.
O que o Papa fez, hoje, foi um decesso, ou seja, um rebaixamento. Piacenza será o novo penitenciário, uma função essencialmente burocrática, sem qualquer visibilidade. Piacenza teve a sua influência neutralizada por completo.
Esperava-se para o cardeal uma arquidiocese importante na Itália. Não veio. O que veio em seu lugar foi uma mensagem clara e objetiva do Papa. No pontificado de Francisco parece haver uma aversão a esquemas fechados, à impossibilidade do diálogo. Piacenza representava um pouco desse universo ortodoxo, ou seja, dessa "certeza" que nos obriga a aceitar... afinal é disso que se trata a ortodoxia.
Em seu lugar Francisco colocou um diplomata. Sim! Depois de criticar o carreirismo dos bispos, Francisco escolhe para uma função importante um membro do corpo mais carreirista que existe na Igreja - os núncios! O arcebispo Beniamino Stella será o novo prefeito. Vindo da presidência da Academia Eclesiástica após ser núncio no Congo, Cuba e Colômbia, o novo prefeito não tem a menor experiência com a Congregação.
Outro fato estranho é a sua idade avançada, 72 anos. Stella poderá ser um prefeito de transição enquanto Francisco reforma a Cúria, o que justificaria a sua idade e a total falta de experiência com a Congregação. Talvez Francisco queira um prefeito sem expressão ou mais flexível e, por isso, Piacenza se tornou um nome totalmente inadequado.
Sem dúvida a Cúria e a Igreja Universal perdem um grande pastor de almas no decesso de Piacenza. Enquanto isso assistimos, perplexos ou talvez nem tanto, a um aparelhamento da Cúria por Núncios ou ex-Núncios.
Who let the Nuncios out?
Enquanto suas palavras condenam o carreirismo na Igreja, censuram aqueles bispos que buscam "dioceses maiores e mais ricas", pedem por bispos com "odor de ovelha", as ações de Francisco parecem ir noutra direção.
Desde que assumiu a sua nova condição como bispo de Roma, Bergoglio vem promovendo apenas membros do aparato burocrático e das fileiras carreiristas. Mons. Battista Ricca, Pietro Parolin, Lorenzo Baldisseri e agora Beniamino Stella. A única nomeação que se justifica é a de Parolin, já que ocupará um cargo burocrático como Secretário de Estado.
A Dança do Arcebispo-Cardeal-Arcebispo Baldisseri
Para concluir um último comentário.
O ex-Núncio no Brasil, Dom Lorenzo Baldisseri, parece não querer esquentar a cadeira e vê seu cardinalato ora longe, ora iminente.
A tradição aponta que os núncios no Brasil são feitos cardeais em algum momento. Escaparam da púrpura Alfio Rapisarda e, por enquanto, Baldisseri.
As chances de cardinalato de Baldisseri foram praticamente anuladas em 2012, quando Bento XVI o removeu do Brasil para colocá-lo como secretário da Congregação para os Bispos, cargo qual não cabe o barrete vermelho. Foi depois do conclave, em março deste ano, que as chances de um cardeal Baldisseri reapareceram. Ao surgir no balcão de São Pedro junto com Francisco, na qualidade de secretário do Conclave, Dom Lorenzo portava o solidéu vermelho que pertencia à Bergoglio, num sinal que muitos interpretaram como o primeiro cardeal anunciado.
"O jornal La Stampa prossegue: No dia seguinte à eleição, Baldisseri, ainda usando o solidéu vermelho com as vestes roxas de bispo, apareceu na missa concelebrada pelo novo papa na Capela Sistina pedindo para ser admitido entre os cardeais. Os Cerimoniários não tinham previsto a sua presença, mas Baldisseri, com o solidéu vermelho recebido no dia anterior, insistiu em participar. Eventualmente, depois de algum esclarecimento, ele foi autorizado a concelebrar com os outros cardeais.
No dia 19 de marco Baldisseri também estava entre os concelebrantes da Missa de Inauguração do novo bispo de Roma. Mas desta vez o secretário do conclave usava o solidéu de um simples bispo.
O jornal "La Repubblica", por sua vez, transcreveu a gravação de uma parte da entrevista em língua Portuguesa da Rádio Vaticano em que Baldisseri conta a história assim:
"No final do conclave, o Santo Padre recebeu dos cardeais na Capela Sistina uma profissão de obediência. Também, como secretário do conclave, eu fui chamado para realizar este ato de obediência e saudação ao Santo Padre. Quando cheguei na frente dele, eu me ajoelhei. Foi nesse momento que o Papa colocou mão na minha cabeça e, em seguida, depositou sobre mim o seu barrete vermelho de cardeal. Era tão grande a emoção ... isso significa que o Secretário o Colégio dos Cardeais, que na verdade é também o secretário do conclave, é ou será um cardeal. O Papa me disse mais tarde: "Tu és um cardeal pela metade."
Certamente - disse Baldisseri - a criação de cardeais reais ainda não ocorreu "porque exige um consistório oficial convocado pelo Santo Padre, e, portanto, a sua publicação. Mas todos aqui sabem que o meu nome está na lista".
Dom Lorenzo na Missa pós-Conclave na Capela Sistina Usando o solidéu vermelho, exigiu ser admitido entre os cardeais. |
De todos os conclaves registrados nos séculos XIX, XX e XXI, só aquele que elegeu João XXIII em 1958 viu algo semelhante. Todos os demais secretários do conclave foram elevados ao cardinalato posteriormente e porque exerciam outras funções compatíveis com a púrpura cardinalícia. Muitos desses secretários de conclave foram feitos cardeais no segundo ou terceiro consistório após a eleição de um novo papa.
Baldisseri foi nomeado por Francisco como Secretário do Sínodo dos Bispos, um cargo importante, mas que foi guiado por 9 anos por um arcebispo não-cardeal. A Secretaria para o Sínodo dos bispos teve como secretários três cardeais:
- Dom Władysław Rubin foi secretário de 1967 a 1979, feito cardeal em 1979 para, em menos de um ano, ser promovido a Prefeito da Congregação das Igrejas Orientais.
- Dom Jozef Tomko, 1979 à 1985, se tornou cardeal depois de deixar a função, assumindo a Evangelização dos Povos
- Dom Jan Pieter Schotte, 1985 a 2004, só foi feito cardeal em 1994.
- Dom Nikola Eterović, 2004 a 2013, nunca foi feito cardeal.
- Dom Lorenzo Baldisseri, 2013, espera-se que nunca seja feito cardeal.
Gozando de abençoados 72 anos, o arcebispo-cardeal-arcebispo pode estar vendo a púrpura lhe escapar pelos dedos. O que salta aos olhos, mesmo do outro lado do atlântico, é a vontade deste senhor, que foi um dos piores núncios "da história desse país", de se tornar cardeal.
Baldisseri não exala o odor da ovelha, como quer Francisco. É um bispo aeroporto, carreirista e ganancioso. Cria de Sodano, que foi quem o consagrou bispo. Isso explica a sua letargia em defender Bento XVI em solo brasileiro e a sua calculada incompetência em interferir na CNBB.
Esperamos que suas ambições não sejam satisfeitas por aquele que é tão crítico, pelo menos no discurso, do carreirismo eclesial. E esperamos ainda que a reforma da Cúria não nos conduza a uma Cúria fraca, impotente e repleta de parasitas.