domingo, 5 de dezembro de 2010

B16 e Ratzinger - Explicando o problema

Senti que minha última postagem sobre o problema do Papa Bento XVI pronunciar-se como uma pessoa ordinária - como Joseph Ratzinger - em determinados assuntos não foi completamente compreendida. Por isso decido explica-la novamente.

Creio que o problema da incompreensão foi o seguinte: não sou absolutamente contrário ao Papa pronunciar-se de forma informal, não-magisterial ou de qualquer outra maneira. É evidente que, se desejasse, o papa poderia escrever sobre qualquer tema, teológico ou não, e poderia fazê-lo de forma não-magisterial, ou seja, esses escritos seriam contados como obras separadas.

Contudo, não estamos em tempos normais. A autoridade pontifícia é diariamente ameaçada pelo autoritarismo das conferências de bispos e por alguns prelados, ciosos demais da sua própria autoridade, que não conseguem aderir ao "cum Petro et Sub Petro".

Mas o que acontece quando um papa escreve algo que DIVERGE daquilo que ele sempre vinha afirmando? Caos!

Um dos vários livros não-magisteriais que
João Paulo II escreveu
Aqui vem meu exemplo prático para que vocês entendam o problema que quis expressar.
Imaginemos que o Papa João Paulo II, um papa mariano por excelência, também tivesse lançado um livro com Peter Seewald. O Papa polonês escreveu muitos livros fora do pontificado, lançou até mesmo um cd com orações e músicas. Algum problema com isso? Não, nenhum!

Prosseguindo, imaginemos que nesse livro fictício com Seewald o jornalista indagasse ao Papa: Você acha possível que Maria tenha sido concebida sem pecado? E a resposta do Papa, ou melhor, de Karol Wojtyla fosse: é possível que ela tenha sido concebida como uma pessoa ordinária, inclusive no pecado, o dogma da  imaculada conceição seria apenas algo abstrato para reforçar a natureza divina e redentora de Cristo...


Ah! Eis o meu problema. Karol estaria contradizendo João Paulo II e todos os outros papas que o antecederam. O mesmo aconteceu com Bento XVI e o livro Luz do Mundo. Ele simplesmente contradisse, ou pelo menos relativizou, o que disse poucos meses antes, na África. Isso nunca aconteceu na história das Publicações Papais Fora do Contexto Magisterial.

Dom Rino enfrentou a fúria de
conservadores e trad's por
ter relativizado o ensinamento
moral da Igreja
Um caso análogo pode ser o da menina de 9 anos de Recife e Dom Rino Fisichella. O então presidente da Academia para a Vida, através de um meio totalmente informal e não-magisterial (o jornal) se coloca ao lado dos médicos abortistas e contra o ensinamento claro e objetivo da Igreja sobre o aborto (aborto nunca, jamais é razoável ou justo). Estranho que com Dom Rino a cólera tradicionalista foi somada ao ataque furioso dos conservadores. No caso do livro "Luz do Mundo" a coisa dividiu esses dois grupos justamente por envolver o Papa. Honestamente, para mim, os dois casos são do mesmo quilate. Dom Rino legitimou o aborto num caso específico e Ratzinger afirmou que o uso dos preservativos pode também ser considerado legítimo em alguns casos.

Há a disputa virtual, agora já acalmada, sobre o que o Papa quis realmente dizer, sobre o contexto de suas palavras, etc. A mesma disputa, contudo muito menos equilibrada, se levantou no caso de Dom Rino, que alegou escrever a pedido da Secretaria de Estado. Contudo, não pretendo levantar todo o mérito da questão novamente. Simplesmente assino embaixo do recente pronunciamento feito pela Fraternidade Sacerdotal São Pio X que, para meu espanto, foi muito equilibrado. Normalmente a FSSPX faria um grande barulho e bradaria aos céus por justiça, mas dessa vez eles preferiram ser cirurgicamente precisos e, particularmente, é disso que eu gosto. Especialmente o item 3 da nota oficial da FSSPX sobre o assunto, mostra como a posição de Ratzinger relativisa, para dizer o mínimo, ensinamento da Igreja sobre o assunto.

Obras teológicas não magisteriais nos dias de hoje
deixam o católico ordinário confuso. Quando o Papa está falando
como sucessor de Pedro? A mídia sabe e se aproveita disso.
Penso que não foi intenção do Papa diminuir o sólido ensinamento moral da Igreja, mas é claro que Joseph Ratzinger, através do livro de Seewald, deu uma pequena martelada na parede, provocando uma rachadura. É só o que os progressistas precisam, diga-se de passagem. Afinal de contas, a fumaça de Satanás entrou na igreja por uma pequena fresta!

A questão tem uma carga emocional muito forte, por isso divide tradicionalistas e conservadores que, como prova o caso de Dom Rino, se unem com muita facilidade para defender ferozmente a moral católica. Bento XVI é o Papa que mais restaurou a fé da Igreja nos últimos 50 anos, é o Papa dos Motus Proprios, que fez dom Burke cardeal, etc, por isso é tão querido, mas isso infelizmente não lhe dá um bônus para declarar o que está contido no "Luz do Mundo". É precisamente ai que se dividem as opiniões porque os tradicionalistas sabem disso, os conservadores preferem a visão mais "Poliana" das declarações, buscando contextos, momentos, etc.

Já que o livro é uma obra não-magisterial (graças a Deus!) podemos dizer sem qualquer dor na consciência: Bento XVI (ou Joseph Ratzinger, como eu prefiro nesse caso) errou e errou feio!

Já temos pelo mundo todo inúmeros organismos "católicos" que apóiam e distribuem preservativos. A própria "Pastoral da AIDS" brasileira é uma delas. Resta saber quem terá mais peso na formação da opinião moderna sobre o assunto: o Bento XVI da condenação explícita na África e atual guardião da Humanae Vitae ou Joseph Ratzinger do "o uso do preservativo pode ser considerado legítimo" em alguns casos?

Acredito que agora eu expliquei o queria dizer.

6 comentários:

Rafael Vitola Brodbeck disse...

Há uma diferença entre o que o Papa MESMO disse e o que ficticiamente João Paulo II teria respondido no teu exemplo: João Paulo II estaria NEGANDO um DOGMA, ao passo que Bento XVI estaria propondo uma reflexão sobre um tema que ainda não foi completamente desenvolvido no Magistério Ordinário.

Danilo disse...

O exemplo do Papa JPII talvez tenha sido forçado, mas ilustra exatamente o que quero dizer. O de Dom Rino também.
Não creio que o tema do preservativo ainda não tenha sido completamente desenvolvido. Antes deste incidente, a Igreja tinha uma postura bem clara sobre a camisinha. A contestação surgiu de forma totalmente gratuita e para piorar, de certa forma, partiu do próprio Papa.
Ninguém esperava por essa.
É claro que o Papa proferiu sua opinião dentro de um determinado contexto - a prostituição masculina - mas esse contexto pode ser facil e habilmente ampliado. Fala-se na legitimidade do uso da camisinha entre um casal onde um dos cônjuges é soro-positivo. Acha mesmo que vai parar por ai? Uma brecha para a vivência do sexo pelo sexo, separado da sua natureza procriativa, está aberta.
A impressão que se tem é justamente aquela do relativismo religioso que o pontificado de B16 tão justamente combate. Hoje é moralmente inaceitável, amanhã quem sabe?
Mesmo que a condenação do uso do preservativo não seja um dogma, ela não é menos pesada.
Por isso eu endosso a nota da FSSPX, que demonstra com clareza o grave problema da declaração, inclusive citando os papas Pios XI e XII. Acredito que as duas citações ilustram bem a incongruência encontrada na posição do Papa.

Movimento da Transfiguração disse...

Olá,creio existir na sua leitura alguma dificuldade mental de ler o que o Papa disse.O preservativo é um objeto como um revolver é um objeto.O aborto é um ato no caso intrinsecamente mau. Desconheço qualquer objeto intrinsecamente mau.Partindo deste principio você pode ler o texto novamente de forma inteligente e humilde.Esta entrevista é de um homem que pela sua vida e obra supera você e todos os teólogos da FSSPX em santidade e sabedoria.
Permita-me como um leitor e seguidor de seu blog lhe parafrasear posso dizer sem qualquer dor na consciência:Danilo Augusto errou e errou feio.

Danilo disse...

Cesar
Suas palavras só mostram que realmente existe muito MUITO mais carga emocional na questão que racional. A camisinha é de fato um objeto, mas eu e o Papa estamos falando SIM do USO do objeto e não do objeto em si.
Infelizmente você não entendeu o alcance da questão. Não é uma questão de afirmar que o Papa merece ir para o inferno, longe disso, é claro!
Só que, se até mesmo no livro "Jesus de Nazaré", escrito pelo próprio Bento XVI, ele nos autoriza a discordarmos sem qualquer problema dele, porque agora, com um simples livro de entrevista, onde se expressa uma opinião bem estranha, não podemos fazer o mesmo?

Anônimo disse...

Por que vocês ainda falam em prostituição masculina se o porta-voz do papa foi bem claro em dizer que suas palavras se aplicavam a homens, mulheres, homossexuais, transexuais etc?

Anônimo disse...

Danilo,é difícil para as pessoas verem que o papa é somente uma pessoa(a não ser,claro,quando ele está falando ex-cathedra)que pode errar.Até os mais santos erraram.Não devemos amar o papa porque ele é o ser mais perfeito do universo,mas sim porque foi a ele confiado a condução do barco de Pedro,apesar de suas misérias.Claro,que para contestar o papa é necessário argumentos sólidos extraídos da Sagrada Escritura e/ou da Tradição,o que a FSSPX faz muito bem.

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