sábado, 14 de janeiro de 2012

Birritualismo litúrgico

Numa recente postagem mostramos um bispo latino, o Patriarca Latino de Jerusalém, celebrando a divina liturgia oriental numa catedral melquita. A celebração se deu por conta da visita de um grupo de bispos ingleses ao Oriente Médio.

Um ponto que chama a atenção dos leitores é o fato do celebrante - um bispo latino - usar os paramentos latinos para celebrar a liturgia oriental e não a típica vestimenta dos melquitas. Bem, pretendo dar alguns exemplos de casos semelhantes que acontecem com certa frequência no Brasil e no mundo e de outros casos onde o sacerdote (latino) celebra a liturgia oriental paramentado como sacerdote oriental.

Antes de tudo é preciso entender que a Igreja prevê o birritualismo sempre para o bem dos fiéis, sobretudo os orientais na diáspora, ou seja, fora do seu território canônico, e também para aqueles fiéis de outros ritos que não possuem ordinário ou clero no seu território.

Se o número de fiéis orientais dentro de uma diocese latina for razoável, o bispo latino pode apontar um sacerdote (latino) para oferecer os sacramentos conforme a liturgia desses fiéis. Isso acontece muito no Brasil com os maronitas.

Um exemplo seria algo que acontece na minha própria diocese, onde um padre de ascendência oriental é responsável por celebrar mensalmente a liturgia para os fiéis maronitas. O acordo foi firmado entre Dom Edgard Madi, o sacerdote  em questão e o bispo diocesano local. Neste caso específico o sacerdote pode usar os paramentos orientais porque ele é birritualista, ou seja, possui a faculdade de celebrar os dois ritos católicos. Vejam um vídeo sobre essa celebração que ocorre na minha diocese.


Sendo um rito católico válido, qualquer fiel pode frequenta-lo, independente da sua nacionalidade "litúrgica". Por isso vocês verão no vídeo que há muitos fiéis que claramente não são descendentes de libaneses.

Um caso mais famoso é do padre fundador da Canção Nova, mons. Jonas Abib, que também é birritualista. Inclusive Mons. Jonas foi agraciado com o título honorífico de "corepiscopo", que seria o grau mais elevado de clérigo dentro de uma diocese maronita.

Mas e os casos da celebração eventual de um rito diverso? É preciso entender que o rito faz parte da identidade daquela igreja específica e, portanto, um sacerdote latino não pode começar a rezar a missa em qualquer rito que desejar, mesmo sendo um rito católico válido. Destaco ainda que estamos falando de ritos, ou seja, um conjunto de fórmulas que cresceram ao longo dos séculos em determinada comunidade cristã. Incluímos nessa categoria os ritos romano, bizantino (grego e eslavo), maronita, siríaco, etc. Não estou falando em ritos "de cura", "de libertação", "crioulo", "afro" ou qualquer outro inventado recentemente e que são, na verdade, abusos da liturgia católica.

Nos casos onde um sacerdote latino é convidado a celebrar ou concelebrar (o que é mais comum) a liturgia oriental ele usa, normalmente, os paramentos do seu próprio rito. O inverso também vale, ou seja, quando um sacerdote oriental (con)celebra a liturgia latina, ele o faz com os seus próprios paramentos.

Bispos católicos orientais e alguns latinos
concelbrantes

Bispos latinos e orientais que
concelebrarão a liturgia ucraniana
Consagração Episcopal Oriental
Bispos latinos participam
Bispos durante o Sínodo do Oriente Médio
Cada um paramentado de acordo com o seu rito

Sobretudo durante as consagrações episcopais é comum que vários bispos latinos, paramentados latinamente, concelebrem.



Os Núncios em terras eslavas, gregas ou do Oriente Médio costumam celebrar com alguma frequência, sobretudo nas datas da fundação de uma determinada ordem, da dedicação da Catedral oriental ou ainda uma data histórica, a liturgia oriental. Como vemos no vídeo abaixo, o Núncio na Ucrânia Dom Thomas Edward Gullickson é o concelebrante da liturgia oriental e o faz paramentado de forma latina. Apenas seu báculo é diferente.



Há alguns casos, contudo, que essa regra parece ser esquecida. Um deles foi quando João XXIII celebrou a liturgia melquita, paramentado de forma mista. Neste caso é importante lembrar que o Papa não é apenas chefe espiritual da Igreja latina, mas também um bispo universal. Dessa forma, como cabeça visível da Igreja, lhe é assegurada a jurisdição universal, incluindo a litúrgica, é claro.


Temos, contudo, algumas imagens do Papa João Paulo II celebrando a divina liturgia ucraniana com paramentos latinos, confirmando que a liturgia oriental de João XXIII foi uma lícita exceção.

Não podemos esquecer de mencionar o caso do cardeal Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, quando concelebrou a liturgia maronita. O cardeal paramentou-se como sacerdote maronita, algo que transmitiu um pouco de confusão litúrgica aos fiéis.


Se há algum "antigo costume não escrito" que justifique a "maronitização" do cardeal latino, eu desconheço. Entretanto, partindo da observação do que acontece na Igreja nos casos acima, podemos concluir que o sacerdote latino só deve paramentar-se como oriental se tiver o privilégio do birritualismo garantido pelo seu Ordinário local ou pela Santa Sé. Caso contrário, deverá celebrar de acordo com as vestimentas do seu próprio rito. Isso vale até para bispos e cardeais.

Um comentário:

Luiz Antônio Rocha Amaral disse...

Em julho de 2010 em minha arquidiocese, Campo Grande, tivemos a visita de Dom Edgr Madi, eparca de Nossa Senhora do Líbano em São Paulo dos Maronitas, e de Dom Guy-Paul Noujaim, eparca-auxiliar da diocese libanesa de Jebbeh-Sarba-Jounieh dos Maronitas. Concelebraram o então arcebispo-metropolitano, Dom Vitório Pavanello, e o bispo-auxiliar Dom Eduardo Pinheiro da Silva. Os bispos latinos paramentaram-se da maneira latina, enquanto que os maronitas de acordo com seu rito, como se observa nesta foto: http://arquidiocesedecampogrande.org.br/arq/images/stories/galerias/18072010_missamaronita/missa_maronita_011.JPG

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