segunda-feira, 14 de julho de 2014

A Reforma da Cúria é tão ruim quanto os seus reformadores

O site americano National Catholic Reporter (NCR), de linha progressista e liberal, trouxe uma entrevista com dois membros do super-Conselho de 8 cardeais, que agora são 9, Oscar Rodriguez Maradiaga e Oswald Gracias. É um texto sem dúvida impressionante, porque demonstra que aquilo que escrevemos no "A Reforma da Cúria. Complicando para Descomplicar" foi pouco para descrever o que vem por ai.

A reforma, segundo o que foi lido no NCR, tornará a Cúria romana totalmente impotente frente às conferências episcopais, estas sim as grandes vitoriosas. E as consequências serão sentidas não só no dia a dia da Igreja, mas principalmente nos futuros conclaves, já que um dos objetivos implícitos da reforma comandada pelo vice-papa hondurenho é a quase eliminação de cardeais curiais.

Farei o comentário dos trechos mais importantes.

Cegos guiando cegos.

"Nenhum de nós sabia muito sobre a cúria já que nós nunca trabalhamos lá", afirmou o cardeal Gracias. "Passamos muito tempo apenas para conhece-la. Revisamos a Pastor Bonuns e estudamos cada congregação, conselho e departamento". Cada cardeal estudava um dicastério e informava aos demais membros do grupo.
Do ponto de vista eminentemente gerencial isso é uma catástrofe. São pessoas que, como afirmou o cardeal, nunca trabalharam na Cúria e foram encarregados de reformá-la, o que na teoria significa melhorar a estrutura. O grupo de cardeais, como fica claro mais abaixo, tem uma agenda que está impondo à Cúria. Não se trata de uma reforma legítima, fiel ao princípio da melhoria, mas de uma demolição e construção de uma nova estrutura.

Os prefeitos e chefes de dicastério estão sendo marginalizados no processo e nenhum deles foi consultado. Numa entrevista concedida ao canal americano EWTN, o cardeal Burke afirmou que não está por dentro do processo de reforma esquematizado pelo super conselho dos 8, que agora são 9, e, talvez como uma advertência sobre os dias que virão, pediu ao Papa que respeitasse a instituição da Cúria Romana.

Como já disse no outro texto, Francisco não sabe lidar com a Cúria porque carrega um grande preconceito contra ela desde os tempos de bispo diocesano. E os cardeais escolhidos por ele para o grupo de estudo compartilham a mesma opinião negativa sobre a Cúria, alguns mais outros menos. Não se trata de uma reforma, mas de uma revanche.


Uma congregação para os leigos. Ideia inútil.

Os dois cardeais afirmaram que o conselho está considerando a criação de uma nova congregação para os leigos, que absorveria as responsabilidades do conselho pontifício sobre os leigos, família, e talvez alguns outros departamentos.
"Os bispos têm o seu próprio dicastério", afirmou Rodriguez. "Os religiosos e o clero tem uma [
congregação], mas os leigos são a maioria na Igreja e eles têm apenas um conselho".

O raciocínio acima só pode ter vindo de alguém sem a menor intimidade com o que é a Cúria Romana. A Cúria não existe para representar a "Igreja toda", com cada aspecto da igreja tendo um dicastério.

Se você pegar a Pastor Bonus - documento que este egrégio conselho de 8 cardeais, que agora são 9, diz ter estudado - já no capítulo 1º, artigo 1º, se lê:

A Cúria Romana é o conjunto dos Dicastérios e dos Organismos que coadjuvam o Romano Pontífice no exercício do seu supremo múnus pastoral, para o bem e o serviço da Igreja Universal e das Igrejas particulares, exercício com o qual se reforçam a unidade de fé e a comunhão do Povo de Deus e se promove a missão própria da Igreja no mundo.

Já no primeiro capítulo do documento se vê o quão pretensiosa e sem propósito é a ideia de Maradiaga e seu séquito. Qual será a função de uma Congregação para os Leigos? O que ela poderá fazer? Se você analisar as congregações, cada uma tem uma competência dentro da estrutura eclesial, porque elas "coadjuvam o Romano Pontífice no exercício do seu supremo múnus pastoral"; assim a Congr. culto divino trata dos temas ligados à liturgia, a Educação Católica supervisiona o trabalho das faculdades e universidades pontifícias, a Doutrina da Fé lida com as questões teológicas, a dos Bispos e Clero lidam com a sua respectiva parcela da hierarquia, e assim por diante. Alguém consegue imaginar o que vai fazer uma Congregação para os leigos? Talvez coordenar os telefonemas que o Papa vive fazendo para as pessoas...

Os leigos possuem um dicastério de menor importância hierárquica - um conselho - não por terem um valor menor, mas porque é através de todos os outros dicastérios que múnus pastoral do Papa, enquanto cabeça visível da Igreja, chega aos leigos.

A única função dessa "congregação para os leigos" seria reduzir o número de cardeais curiais, já que o órgão absorveria vários dicastérios menores.


Menos Bispos e Cardeais na Cúria

Rodriguez também reclamou sobre "nomear um cardeal como prefeito de um departamento e ele não tem a preparação. Não, não precisamos mais disso. É necessário parar de buscar um lugar para uma pessoa, mas [buscar] uma pessoa para o lugar. Isso pode demorar um pouco, mas acontecerá".
Os dois cardeais questionam a elevação de oficiais do Vaticano ao episcopado e cardinalato.
"A função de um bispo é muito diferente", afirmou Rodriguez. "É ser um pastor num rebanho, não ser um burocrata num escritório". Entretanto, ele pensa que pode "ser necessário ter um cardeal como prefeito de um dicastério, mas o resto não é necessário".
Aqui o cardeal hondurenho parte de uma premissa falsa. Nem todo bispo curial é um burocrata, nem todo bispo diocesano é um pastor. Temos muitos exemplo de bispos diocesanos que se encastelam nos seus escritórios e raramente visitam as paróquias ou são vistos pelo povo (quantos católicos hoje sabem o nome do seu bispo?). Meu bispo mesmo é um exemplo típico de um burocrata que comanda a Igreja local de longe, na segurança e conforto do escritório episcopal. Portanto falo por experiência.

Quantos bispos da Cúria nós não vemos rodando o mundo, celebrando missas com as pessoas das mais diversas nacionalidades? Isso também é ser pastor.

Outros pontos nessa fala de Maradiaga são interessantes. O primeiro é o de prelados sem competência para exercer tal função - nomear um cardeal como prefeito de um departamento e ele não tem a preparação. O primeiro nome que vem à mente é o do cardeal Stella, nomeado por Francisco para a Congregação para o Clero. O cardeal saiu de uma obscura academia pontifícia, onde não tinha qualquer visibilidade, e subiu como um foguete a um dos postos mais altos da Cúria como prefeito para o clero, substituindo um cardeal de inegável competência e experiência.

O segundo ponto abordado por Maradiaga seria sobre a função de um bispo - É ser um pastor num rebanho. Recentemente o blog americano Rorate Caeli trouxe uma análise muito precisa sobre a catástrofe na igreja da América Latina. No texto há um destaque negativo para Honduras que em menos de 20 anos perdeu quase 30% de fiéis. Como bem observou o Rorate, toda a sangria de fiéis em Honduras coincide com o tempo de Maradiaga como arcebispo de Tegucigalpa, capital do país. Podemos, portanto, nos questionar que tipo de pastor foi e é o cardeal Oscar Rodriguez Maradiaga e a sua credibilidade para tentar impor ao resto da Igreja um modelo pastoral provado e falido.


Leigos no comando

"Eles [os Prefeitos de Dicastérios] poderiam ser até leigos e leigas - por que não?" ele perguntou. "Eu sonho em ter n[o] [Conselho para] a Família talvez um casal. Isso seria maravilhoso".
A esta bobagem não cabe muita análise. Só resta lamentar o nível que chegaram alguns cardeais. É um pensamento típico de um terceiromundismo socialista que não seria levado a sério em lugar nenhum.

Seguindo essa linha de raciocínio, precisaríamos ter um cigano ou um ator de circo como presidente do conselho para os migrantes e itinerantes - Isso seria maravilhoso - ou um santo canonizado em vida, para a Congregação para a Causa dos Santos, e um Lama budista na comissão para o diálogo inter-religioso, por que não?


O pior por último

O cardeal Rodriguez também vem pensando em num comitê de prelados que supervisiona os funcionários das congregações e conselhos. Foi sugerido que se tenha mais bispos diocesanos e menos membros da cúria. Por exemplo, a Congregação para o Culto Divino poderia ter sobre si os chefes das comissões litúrgicas das conferências episcopais. "Esse seria o melhor caminho", afirmou Rodriguez. "No CELAM nós fizemos assim".
Aqui estamos na síntese do que é a reforma de Francisco. Como já vinhamos falando há muito tempo, o objetivo não é, nem de longe, melhorar a Cúria, mas destruí-la por completo. Uma cúria fraca pede conferências episcopais fortes, e Maradiaga está dizendo que é justamente isso o que vai acontecer.

Na prática serão as Conferências episcopais que supervisionarão a Cúria, não o contrário. É o mesmo princípio do decreto 8243 do governo do PT, que torna o governo refém dos conselhos populares. Teremos uma Igreja bolivariana, submissa aos conselhos das conferências episcopais. Não importará muito que Papa venha a ser eleito no futuro, já que o governo da Igreja estará nas mãos de bispos como Maradiaga, Leonardo Steiner, Dolan, Zollitsch, Galantino e tantos outros.

O absurdo é tão grande que o CELAM é colocado como modelo de governo para a Igreja universal.

Conclusão

O cardeal afirma que em dezembro próximo terão as linhas gerais para iniciarem a reforma na prática.
Os conservadores acreditam que o conselho de cardeais irá respeitar o tempo da Igreja, que normalmente é longo. Não acredito nisso! Nós veremos esses reformadores agindo de forma veloz e furiosa, porque sabem que não terão muito tempo com Francisco.

Francisco não é o último sopro da igreja liberal, mas é um pontificado decisivo para eles. Sabem que se não agirem antes do próximo conclave, os cardeais da Cúria e os insatisfeitos com esse pontificado - e não são poucos - buscarão um papa menos "agressivo" e possivelmente europeu.

De qualquer forma, estamos na iminência de uma catástrofe. O sínodo para a família no próximo outubro é uma antecipação necessária para a reforma da cúria. Veremos no Sínodo - Deus nos livre! - um embate de cardeais e bispos sobre os divorciados. Sem perder tempo para que os conservadores da cúria se recuperem do sínodo, vem imediatamente a reforma da cúria. Um golpe depois do outro.

Gostaria de deixar ao leitor a postagem que publicamos em outubro de 2013. Nela o próprio cardeal Maradiaga afirma que o Papa Francisco já tinha em mente, apenas quatro dias depois de eleito, todo um plano de reforma da Igreja. É assustador!

Muitos falam que esta é a pior crise da história da Igreja. Infelizmente temo que nós não vimos nem metade da sua força ainda. Rezemos!

3 comentários:

Anônimo disse...

A cúria romana já era ruim e decadente desde os tempos da reforma de Paulo VI e JP2 quando foram alijados os prelados e dignitários mais doutos e piedosos que amavam e serviam realmente a Igreja tradicional, embora restassem até nossos dias alguns bons. Agora é o fim.
Oh! Roma eterna, acolhe nossos prantos!
Arcipreste Toledo

Anônimo disse...

Conheci esse blog faz pouco tempo, e me chamou a atenção justamente o post "A Reforma da Cúria. Complicando para descomplicar?". Pois ele faz questionamentos que venho tendo desde o ano passado mas não encontro respostas. De uns tempos pra cá tem sido dito que na Cúria há organismos demais e o próprio Papa disse que a Cúria é a "lepra do Papado". Desejar mudanças até vejo como algo normal e em certos momentos da história, uma necessidade. O próprio Papa Pio X fez uma reforma na Cúria à sua época, eliminando algumas congregações e criando outras. Só que atualmente não consigo entender para onde caminha a mudança, já que se fala da grande quantidade de órgãos, mas diversos deles vem sendo criados. Para mim o caso mais impressionante foi a criação de uma Secretaria da Economia sendo que já existe uma Prefeitura de Assuntos Econômicos da Santa Sé (cardeal Giuseppe Versaldi), além da Administração do Patrimônio da Santa Sé (Cardeal Domenico Calcagno) e da Autoridade de Informação Financeira (bispo Giorgio Corbellini). Será que os prelados destes três discatérios foram consultados para que ao menos se conheça seu trabalho?
Quanto a este artigo, só consigo demonstrar a minha tristeza pelas palavras destes cardeais. Se vê claramente em suas palavras a teologia da libertação e um ranço extremo contra tudo o que a Igreja construiu ao longo dos séculos. Não vou me dar ao trabalho de comentar cada fala, pois o autor do artigo já fez isso muito bem e eu concordo com os seus comentários. Só gostaria de comentar essa parte: "Os dois cardeais questionam a elevação de oficiais do Vaticano ao episcopado e cardinalato.".
Até concordo que episcopado não é título honorífico e não deve ser visto como tal. Mas antes, padres (e não leigos) podiam assumir discatérios sem necessariamente receber a ordenação episcopal, quem mudou foi o Papa João XXIII, que ordenou que todos os cardeais padres da Cúria fossem ordenados bispos, e colocou o episcopado como requisito para o cardinalato (esse sim um título). Essa mudança provocou situações como a do grande professor Julien Ries, que foi elevado ao cardinalato por Bento XVI como reconhecimento por seus méritos, mas antes teve que ser ordenado bispo aos 91 anos (!).
Agora, o fato de haver bispos na Cúria não significa que todos sejam "burocratas". Da mesma forma quando foi decidido não conceder mais o título de monsenhor para padres com menos de 65 anos para assim pode acabar com o "carreirismo". Nem todos os monsenhores são carreiristas... Ao ler as palavras destes cardeais só me vem a cabeça as famosas frase de Paulo VI: "a autodestruição da Igreja" e a "fumaça de satanás"...
Parabéns pelo blog.

Anônimo disse...

Caro Danilo os católicos tradicionais devem se preparar pois o chumbo vai ser grosso! A Cúria Romana bem diferente dos aureos tempos neoconservadores e neotradis de Bento XVI que se acabaram abruptamente, Os neotradi não terão o espaço que tiveram com o Papa Bento. Luis Augusto.

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