O novo imbróglio argentino remonta ao início desde século. Em 2001, em meio a uma grave crise econômica e política, a Argentina anunciou um calote em sua dívida pública, que era de cerca de US$ 100 bilhões.
Quatro anos depois, no governo Nestor Kirchner, o país tentou recuperar a credibilidade oferecendo a quem tinha sido prejudicado pelo calote pagamentos com descontos acima de 70%. Mais de 90% dos credores aceitaram a proposta e vêm recebendo esses pagamentos em parcelas (a dívida reestruturada). Os que não aceitaram, no entanto, recorreram a tribunais internacionais.
Em 2012, um dos casos, movido por fundos especulativos, recebeu uma decisão favorável da Justiça dos Estados Unidos, que determinou que a Argentina deveria pagar US$ 1,33 bilhão aos fundos. O governo argentino recorreu, e o caso chegou à Suprema Corte dos EUA, que decidiu manter a condenação, derrubando uma medida cautelar que suspendia os efeitos da determinação judicial anterior.
"A suspensão do 'stay' (medida cautelar) por parte da justiça impossibilita o pagamento em Nova York da próxima parcela da dívida reestruturada [as parcelas pagas aos credores que aceitaram o desconto] e revela a ausência de vontade de negociação em condições distintas às obtidas na sentença ditada pelo juiz Griesa", disse o ministério da Economia argentino.
A nota lamentou a decisão que ordena a execução da sentença do juiz Thomas Griesa, que deliberou a favor dos fundos especulativos, conhecidos como "Abutres", na Argentina.
O comunicado reafirma "a disposição da Argentina de pagar os credores da dívida reestruturada, aos quais sempre tem oferecido as mesmas condições, de acordo com a lei do país".
Na audiência de quarta-feira, advogados da Argentina comunicaram à Corte que uma delegação viajará a Nova York na próxima semana para tentar negociar com os fundos. "Estamos preparados para sentar (em negociação) com eles", afirmou Robert Cohen, que representa a NML.
A presidente argentina, Cristina Kirchner, disse na segunda-feira que seu país não voltará a declarar moratória, mas ressaltou, contudo, que a Argentina "não será submetida à biextorsão".
O resumo da ópera é o seguinte. Depois de anos de políticas irresponsáveis, populistas e descompromissadas com a boa gestão do patrimônio público, o governo argentino decreta moratória. Depois dessa grave crise, que nos afetou em 2001 e de certa forma impulsionou a vitória de Lula em 2002, o governo consegue o milagre de renegociar a dívida com 90% dos seus credores. A parcela de 10% que se recusou a renegociar e protelar o recebimento dos pagamentos exige que o país de Messi pague o que deve nos termos contratados; eles estão agindo dentro da esfera de competência que rege um contrato entre duas partes. O governo argentino, entretanto, não reconhece esse direito.
Os 13 anos que nos separam da moratória de 2001 não foram bons para a Argentina. O país não conseguiu alçar voo e se descolar das suas políticas heterodoxas, do seu peronismo, da visão nacionalista estreita. O país viu greves, desabastecimento, crises institucionais, crises fronteiriças com Brasil e Uruguai, e respondeu da única forma que sabe - culpando os outros.
Embora a presidente argentina deixe claro que não haverá calote, é mais claro ainda que seu partido e seu ministro para a economia já articulam junto a opinião pública uma revolta contra os credores. De vítimas do calote, os credores passaram a ser os algozes do país, os "capitalistas imperialistas", os "abutres americanos" que vivem da especulação e são responsáveis por toda a crise do país. No melhor espírito de "a culpa é deles!" já se vê nas ruas de Buenos Aires cartazes contra os "abutres".
Os especialistas em economia da Argentina: Padres da Opção pelos Pobres |
A análise feita pelos padres é tão precisa quanto a sua ortodoxia:
"O problema de fundo é que o sistema capitalista liberal - que premia os especuladores e condena os trabalhadores - instala uma legalidade imoral levada a fundo pelos especialistas da usura"
Sim, a culpa é do capitalismo. Um discurso bem digno da década de 30 do século passado. Peço aos padres que me apontem um único país capitalista pobre, só um. Em contrapartida a pobreza parece ser um produto exclusivo das ditaduras de esquerda e das tiranias.
Os padres não entenderam que não foi o capitalismo liberal o grande problema da Argentina, mas o peronismo e o populismo, se for possível separar um termo do outro. João Fábio Bertonha (Doutor em História (Unicamp) e docente na Universidade Estadual de Maringá) já em 2002, portanto isento da argumentação apaixonada de hoje, afirmou:
A decadência argentina não pode realmente deixar de impressionar quem a estuda. Do país mais rico e desenvolvido da América Latina, de um dos pólos de desenvolvimento do mundo até 1930, pelo menos, a Argentina caminha a passos largos para se tornar apenas mais um dos pobres países da América Latina. Um argentino morto por volta de 1945 que ressuscitasse provavelmente não entenderia o que vê: do país rico e orgulhoso que tinha a coragem de bater de frente com os Estados Unidos e disputava a liderança continental com o Brasil, o que resta? Uma nação em crise, com índices sociais ainda melhores do que os nossos, mas declinantes, que tentou desesperadamente se jogar aos pés do tio Sam e cuja força econômica e política regrediu enquanto a brasileira cresceu. Um outro mundo surgiu no sul da América em meros cinqüenta anos e qualquer um que tente jogar toda a culpa disso em Menen ou no neoliberalismo dos anos 90 estaria dando excessivo crédito a eles. Um país tão rico e desenvolvido não pode ser destruído tão facilmente. Os motivos vêm de um passado mais longínquo.
O resultado histórico de inúmeras políticas atrapalhadas, cálculos mal feitos e a incapacidade do governo argentino se abrir para o mundo e para os investimentos estrangeiros encontra no governo Kirchner o seu ápice.
Continuam os padres de passeata argentinos:
"este pecado que clama aos céus sabendo que fará sofrer nosso povo, em especial os pobres, e a tantos outros que veem em nosso país um espelho do seu futuro".
Os padres estão mesmo desconectados da realidade. O que fará sofrer os pobres argentinos - de todas as classes - e a irresponsabilidade do governo que muitos desses padres de passeata ajudaram a eleger. O calote da dívida, como querem os padres, conduzirá a já capenga economia argentina ao buraco pela segunda vez e possivelmente a última. É pouco provável que o país consiga uma nova renegociação se decretar uma nova moratória; investidores estrangeiros já voaram do país que já deu provas que não goza de segurança jurídica para acomodar investimentos.
Em 2012 o governo, liderado pelo mesmo Kicillof, expropriou a petroleira YPF numa demonstração estúpida e inconsequente de poder juvenil. Os empresários espanhóis da YPF foram ameaçados de prisão se não deixassem o país, com eles se foi também parte da pouca credibilidade do país e hoje a Argentina colhe os frutos dessa e de outras atitudes anti-investimentos.
Por fim. o governo argentino é bolivariano, ligado ao Foro de São Paulo e tem relações importantes com o PT. Uma crise na Argentina não favorece a reeleição de Dilma e é possível que o governo petista aporte recursos bilionários no país vizinho, como fez em Cuba e na Venezuela, sem qualquer garantia de retorno.
A Argentina é um dos nossos principais parceiros comerciais e a crise agravada na vizinha pode afetar ainda mais a nossa balança comercial, sem contar que grandes investidores, já desconfiados com os rumos da economia brasileira, tendem a ver os países como um conjunto e o Brasil escolheu se alinhar com países de pouca ou nenhuma tradição de simpatia ao empresariado global (Venezuela, Cuba, Uruguai e Argentina).
Em 2001 a crise Argentina ajudou o PT a se eleger. Em 2014 ela poderá derrubar o PT. Ou pelo menos dar um empurrãozinho.