segunda-feira, 30 de junho de 2014

Muitos padres para poucos, poucos padres para muitos. O insucesso das dioceses brasileiras.

Três diáconos da FSSP sendo ordenados ao sacerdócio
junho/2014
Chegamos ao final do mês de junho, um mês que dentro do calendário católico é marcado tradicionalmente por ordenações. Chegamos ao final do mês e minha diocese não terá o que comemorar, pois o número de novos padres é zero.

Minha diocese é um espelho daquela diocese típica do Brasil. Conta com mais de 1 milhão de pessoas, sendo aproximadamente 600 mil católicos. São 15 cidades, 66 paróquias e quase-paróquias e apenas 60 padres diocesanos, alguns deles já aposentados. Se não fosse pelo clero religioso, com 49 padres de 11 congregações/institutos, muitas paróquias estariam sem padres.

O grande número de padres religiosos se deve ao passado recente da diocese que, imediatamente depois do Concílio Vaticano II, viu seu seminário diocesano vazio. Não estou falando de uma diminuição de vocações, mas de uma verdadeira extinção em massa de seminaristas por aqui, que durou praticamente 10 anos. Dois ou três seminaristas, na década de 70, foram enviados à São Paulo para o período formativo. E retornaram para a diocese como bastiões da Teologia da Libertação, diga-se de passagem.

A década perdida na igreja diocesana é um sintoma do fracasso da teologia liberal e que nos marca até hoje. Queria poder dizer que essa página já foi virada e superada na nossa história, mas ela ainda persiste.

Ordenados na FSSPX (EUA)
Meu bispo diocesano goza de 9 anos à frente da diocese. Nesses nove anos ele ordenou 8 padres e um dos neo-sacerdotes abandonou o sacerdócio para se casar antes do primeiro aniversário de ordenação. Em termos numéricos, naquela função primordial que é própria do bispo diocesano, que é dar à comunidade de fiéis pastores, meu bispo fracassa, a diocese fracassa categoricamente.

Corremos o risco de outra década perdida em termos vocacionais. O seminário diocesano conta, hoje, com cinco seminaristas na etapa inicial (propedêutico), doze cursando filosofia e nove cursando teologia. Temos três seminários funcionando e consumindo recursos para apenas 26 seminaristas, sendo que a maioria nem será ordenada. Este ano, como em 2008 ou 2011, não teremos novos sacerdotes.

Meu bispo é contrário a tudo - absolutamente tudo - que cheira a tradição. Missa tradicional? Nem pensar! Inclusive ameaça padres que  manifestam alguma vontade em celebrá-la, ainda que remotamente. Sem dúvida é uma pena que, como bispo, se comporte de forma tão intolerante, porque se desse espaço para a Tradição tenho certeza que seus três seminários poderiam estar em situação muito diferente da atual.

Mons. Schneider com mais sacerdotes ordenados para a FSSP

Enquanto 600 mil católicos não conseguem ter pelo menos um neo-sacerdote por ano, muitas comunidades tradicionais mostram o seu vigor com inúmeras vocações. Os números até o momento:

Fraternidade São Pedro - 10 sacerdotes
Fraternidade São Pio X - 20 sacerdotes
Cônegos de São João Câncio - 3 sacerdotes (biritualistas)
Cônegos do Instituto Cristo Rei - 5 sacerdotes (número ainda não oficialmente confirmado, a ordenação se dará em agosto)

Com as ordenações deste ano a Fraternidade de São Pio X atinge +600 sacerdotes, a Fraternidade São Pedro chega a 420. Certamente todas as comunidades listadas acima não atendem a um universo de 600 mil almas. Seu apostolado é muito mais restrito, porém é espiritualmente eficiente.

Ordenação em Econe (Suíça)
Meu bispo, como vários outros bispos brasileiros, não percebe ou não quer perceber que o caminho trilhado até agora é infrutífero. Sobretudo o orgulho é a grande trave nos olhos de muitos mitrados.

Minha diocese vem enfrentando um processo de secularização intenso, com conselhos de leigos comandando a vida paroquial e tomando, com a devida anuência episcopal, diversas funções reservadas aos ordenados. Tudo por aqui se resolve com planos e conselhos, de forma burocrática. Não por acaso a eficiência da diocese é semelhante a de uma repartição pública.

O ápice da secularização foi, em 2008, um processo de revisão "ampla" orientado por um leigo contratado ($) especialmente para prestar consultoria. O resultado da revisão foi festejado pelo bispo na forma de mais um plano de pastoral (o 6º!) que diz praticamente a mesma coisa que os outros cinco planos anteriores. O 6º Plano de Pastoral é alardeado como a maior conquista deste episcopado, sendo considerado uma verdadeira panaceia para todos os males pastorais que essa igreja particular enfrenta.

Neo-sacerdotes da FSSP, ordenados em Roma
por Mons. Guido Pozzo
Por outro lado, os membros das Fraternidades de São Pedro e São Pio X não parecem apostar na burocracia, nos planos pastorais, como ponto de partida. Jesus não disse "Ide e fazei Planos Pastorais", mas pediu que seus apóstolos fizessem discípulos. É na missão, na conversão pessoal que as comunidades tradicionais focam seu apostolado e conseguem tantos frutos espirituais, apesar do seu tamanho e da perseguição dentro da própria igreja. Seguir o Evangelho é o melhor plano pastoral possível e somente uma diocese esvaziada da sua essência cristã pode focar tanto em papel, conselhos, comissões, etc.


Experiências também nas dioceses 

A abertura à tradição não acontece exclusivamente no ambiente religioso das fraternidades ou institutos. Algumas dioceses, com bispos realmente comprometidos com a causa da fé, também realizam experiências bem sucedidas nesse campo. Tomemos, por exemplo, Ciudad del Este, que só este mês recebeu mais de uma dezena de novos seminaristas. Há ainda o seminário de Guadalajara, o maior do mundo, com mais de 1200 seminaristas. As duas casas de formação apostaram na abertura generosa à tradição católica e agora colhem os frutos. Já escrevemos sobre elas aqui.

Novos seminaristas de Ciudad del Este. O reitor do seminário ao centro
depois de rezar a missa tradicional e dar a tonsura aos novos seminaristas
Várias dioceses perceberam que a Tradição não deve ser evitada ou ridicularizada. Na França, por exemplo, onde a crise vocacional nas dioceses é imensa e onde o movimento tradicional tem a sua maior força, alguns bispos abriram as portas dos seminários ao rito tradicional. Em Lião o cardeal Barbarin já permite que os seus seminaristas aprendam a rezar a missa antiga. A diocese de Fréjus-Toulon abriga o maior seminário da França em números totais de seminaristas e desde a posse de Dom Dominque Rey como bispo se permite que os seminaristas aprendam o rito antigo e, ainda mais, escolham a forma da ordenação - no rito moderno ou tradicional. Inclusive Dom Rey fundou uma sociedade sacerdotal (Missionários da Divina Misericórdia) voltada para o rito antigo.

Dom Dominque Rey, bispo de Fréjus-Toulon, com dois
novos sacerdotes ordenados no rito tradicional (maio/2014)
Quem não tem cão, caça com gato

Devido a ausência de vocações, minha diocese decidiu, talvez guiada pelo espírito do 6º Plano de Pastoral, dar atenção aos diáconos permanentes. Não sou um crítico do diaconato permanente e acredito que a Igreja deva ter diáconos não-transitórios em suas fileiras, mas há um grave problema quando colocamos os diáconos permanentes (casados) como um paliativo para a falência da atividade vocacional. Por aqui são 56, dentre os quais 26 foram ordenados nos últimos 9 anos. Corremos o risco de nos tornarmos uma diocese parecida com "San Cristóbal de Las Casas", no México, que já foi assunto neste blog.

Nos próximos 10 anos o clero diocesano atingirá aquela faixa de idade crítica, onde mais da metade dos padres terá chegado aos 60 anos ou mais. Se as ordenações continuarem acontecendo no ritmo atual - e acredito que elas tendem a cair ainda mais - teremos problemas ainda mais sérios. O número crescente de denominações protestantes já é notado por aqui há muito tempo, com bairros de periferia com mais de 8 "igrejas" neo-pentecostais abertas e com um número cada vez maior de pastores. Não por acaso temos um dos mais baixos índices de católicos apurados pelo IBGE no último censo, abaixo da média brasileira que já é preocupante.

A resposta para esses problemas não virá com um 7º Plano de Pastoral, nem com a construção de mais um seminário, mas de uma verdadeira conversão do alto. Precisamos que o bispo perceba o caminho danoso que vem trilhando junto com os milhares de conselheiros, administradores, consultores, etc. ou que Deus nos mande um outro bispo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Danilo, parabéns pela postagem: ótimo argumento!

Para brasileiros, que dioceses e/ou institutos indicas para quem queira seguir o Sacerdócio e ter uma formação tradicional?

Danilo disse...

Anônimo, infelizmente eu não poderia indicar nenhuma. Resta-me recomendar o seminário do Ordinariato Militar, que oferece uma formação mais sólida e bem melhor que a esmagadora maioria dos seminários diocesanos e arquidiocesanos.
Lembrando que ninguém nasce com a vocação para seminarista, mas para o sacerdócio. O seminário é uma etapa importante, mas transitória.
Quanto as comunidades religiosas,as Abadias de Nsa de Santa Cruz (Itaporanga) e a de Nossa Senhora da Assunção (Itatinga) parecem seguir fielmente o carisma simples dos seus fundadores.

J. Gualberto de Oliveira disse...

Temos o Seminário de Campos no RJ, ou o Mosteiro de Santa Cruz, também no estado do RJ

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