sábado, 31 de dezembro de 2011

As Previsões dos Profetas de Desgraças

O texto abaixo circulou um pouco na internet durante o ano de 2008 quando o Motu Proprio Summorum Pontificum estava ainda fresco. Ele chegou até mim através de um blog de um aluno da Escola de Teologia para Leigos da minha diocese - escola esta que frequentei apenas por três aulas, depois desisti quando o professor ia analisar um "belíssimo" texto de Leornardo Boff...

Certamente este texto foi recomendado ao aluno que, para chegar ao curso de liturgia, precisa cursar 4 anos de teologia "para leigos". Ou seja, liturgia é a pós-graduação para os leigos daqui.

Reparem como o texto é repleto de absurdos, especulações tolas e conceitos preconcebidos intencionalmente para conduzir o leitor incauto a uma conclusão artificiosa. Hoje podemos perceber, através de uma análise das linhas abaixo, o verdadeiro pânico que o Motu Proprio provocou nos liturgistas de 'meia tigela'. Por isso mesmo, embora trágico, o texto assume certo traçado cômico, um verdadeiro gracejo que somente hoje pode ser tido como tal.

O texto procura exaltar, de forma séria e preocupada, a queda do poder (de restrição) dos bispos e vê na legislação romana uma ameaça não só ao bispo, grande liturgo da sua diocese, como a toda a Igreja Universal. Para o autor, a Igreja iria ruir desde a base com o Summorum Pontificum. De certo modo, tal previsão catastrófica se confirmou, ou melhor, se confirma a cada dia - a falsa igreja, construída pelo condenável espírito do Concílio Vaticano II, está ruindo.

Vamos ao texto. Os eventuais erros ortográficos são do original então acessado no blog do aluno, que já não se encontra disponível. Os negritos são meus.

***

A CONTROVÉRSIA DO RITO ROMANO - ( I ) -

O Missal de Pio V é rigorosamente individualista, em sintonia com o sentir de hoje, ao passo que o de Paulo VI tem uma abordagem comunitária e, por isso, é percebido como mais antigo em relação à cultura individualista atual.


Batina, raquete de tênis debaixo do braço, missa em latim na paróquia e, a seguir, “happy hour” com os amigos. É o retrato do padre novo, atraído pela liturgia pré-conciliar, que emerge da análise original de François Cassingena. O liturgista beneditino publicou o opúsculo “Te igitur - Le Missel de Saint Pie V. Hermeneutique et deontologie d'un attaehement” alguns meses antes da publicação do Summorum Pontificum, o motu proprio de Bento XVI sobre a liturgia, documento pontifício que amplia a possibilidade de celebrar com o Missal de 1962, anterior à reforma proposta pelo Concílio Vaticano II e levada a efeito por Paulo VI. O tempo transcorrido desde que o documento entrou em vigor permite traçar um primeiro balanço sobre sua aplicação e deixa intuir desenvolvimentos interessantes sobre o debate pastoral e teológico, mesmo para além do âmbito litúrgico.


É exatamente neste sentido que a análise de Cassingena é profícua: a vontade da volta à liturgia tridentina - que parece atrair mais padres novos e os leigos do que anciãos nostálgicos, que é pedida para crismas e funerais mais do que para a missa - seria expressão de uma cultura e de um modo de sentir a fé não pré-moderno, mas plenamente pós-moderno. Segundo o teólogo francês, o de Pio V “é um Missal rigorosamente individualista, em sintonia com o sentir de hoje, ao passo que o de Paulo VI tem uma abordagem comunitária e, por isso, é percebido como mais antigo em relação à cultura individualista atual", considera Andrea Grillo, docente de Liturgia no Pontifício Ateneu de Santo Anselmo. A simpatia pelo rito antigo seria, portanto, a expressão de uma forma nova de pertença e de identificação social: "Dá-se forma a percursos individualísticos ou privatísticos: o grupo se autoisola da comunidade porque celebra segundo um regime ritual diferente, renunciando a toda a riqueza bíblica do novo Lecionário, à oração universal cotidiana, à unidade das duas mesas, à concelebração, à comunhão sob as duas espécies". Em suma, diz Grillo, "há um problema para a pastoral da unidade. Poder-se-ia também dizer que os fiéis fazem parte da mesma Igreja, mas, na verdade são alfabetizados por liturgias que, de fato, estão numa relação de tensão entre si porque a segunda nasceu para corrigir a primeira" .


Um risco que Bento XVI já tinha bem presente quando, na carta aos bispos que acompanha o motu proprio,dizia estar seguro de não haver fundamento tanto em temer que as novas disposições sejam um ataque "à autoridade do Concílio Vaticano II quanto em pensar que se tenha chegado a uma "separação nas comunidades paroquiais". Pelo contrário, nas intenções do pontífice, a finalidade da iniciativa é "chegar a uma reconciliação interna no seio da Igreja", referindo-se à galáxia tradicionalista e aos que têm saudades do rito antigo, também por causa das "deformações da liturgia ao limite do suportável", das quais se foi ao encontro no pósconcílio. De todo modo, além das intenções, durante os meses que se passaram da introdução do regime duplo de celebração - o Missal em vigor, novus ordo, é considerado forma "ordinária" da liturgia, já o vetus ordus é considerado forma "extraordinária" -, foram enfrentadas algumas dificuldades na interpretação e na aplicação do motu proprio. A mais evidente, a qual se tentou remediar, foi a constatação de que o restabelecimento da liturgia antiga teria arruinado 40 anos de diálogo hebraico-cristão, ao repropor a oração universal da Sexta-feira Santa em que se rezava pela conversão dos hebreus. A solução encontrada, um terceiro caminho entre o velho e o novo rito, não satisfez nem a comunidade hebraica, segundo a qual se trata da substância da velha oração apresentada de forma diferente, nem os lefebvrianos, que tinham acolhido com simpatia a promulgação do motu proprio, mas, diante desse ajuste, sentiram-se traídos.


Além desse incidente, que teve ampla repercussão na imprensa, surgiram outros problemas, tanto que o secretário de Estado, o cardeal Tarcisio Bertone, teve de anunciar a publicação de uma "instrução" destinada a esclarecer os pontos obscuros da Summorum Pontificum. Instrução dirimente, porque deveria tratar daqueles parágrafos a respeito dos quais se estava consumando um desentendimento entre párocos, bispos e grupos de tradicionalistas nas Igrejas locais.


"Grupo estável", "conhecimento do latim", "autoridade do bispo" são alguns dos pontos sobre os quais se discutiu nesses meses. Os tons foram mantidos baixos, porque também de Roma chegaram intervenções muito duras contra os "dissidentes", como aquela do secretário da Congregação para o Culto Divino, monsenhor Albert Malcom Ranjith, o qual, entrevistado pelo diário on-line Petrus e pela agência Fides, acusou de desobediência ao pontífice aqueles "teólogos, liturgistas, sacerdotes, bispos e até cardeais" que expressaram críticas e contrariedade à iniciativa papal.


Que o novo regime causasse vivo debate era certamente de esperar. Os rumores que davam como iminente a publicação do motu proprio tinham feito chegar a Roma cartas de protesto por parte do episcopado de todo o mundo, sobretudo da França, onde a ferida cismática lefebvriana é muito aberta. O próprio cardeal Ratzinger, numa carta que está circulando na internet, datada de 23 de junho de 2003 e endereçada a Heinz-Lothar Barth, professor da Universidade de Bonn, que pedia uma acessibilidade maior ( ao rito antigo, escrevia que "a existência de ( dois ritos é uma prática de difícil gestão para r padres e bispos". Com efeito, enquanto até 14 de setembro de 2007 o uso do Missal antigo era concedido por indulto pontifício somente em casos excepcionais e sob a responsabilidade do bispo local, hoje, onde haja "estavelmente um grupo de fiéis que aderem à precedente tradição litúrgica", o pároco é convidado a acolher "de boa vontade o seu pedido". No caso de os paroquianos não estarem satisfeitos, podem reclamar ao bispo, "vivamente rogado a satisfazer o seu desejo", O último destinatário para as disputas que aparecerão em nível local é a Pontifícia Comissão" Ecclesia Dei", instituída em 1988 para reconstituir as relações com os lefebvrianos. Por isso, um dos pontos candentes sobre os quais haverá de intervir a próxima instrução é exatamente o parágrafo no qual se diz ser posssível celebrar a eucaristia e os sacramentos com o rito anterior à reforma litúrgica em todas as paróquias em que haja "um pedido motivado" e "um grupo estável". A falta de "estabilidade" - entendida como história preexistente e conhecimento mútuo entre os membros de uma mesma comunidade - fez que, em muitos casos, os padres, apoiados pelos bispos, recusassem a celebração extraordinária a grupos de pessoas provenientes de diversas paróquias, que se juntaram ad hoc na ocasião.
Também o não-conhecimento do latim foi motivo da recusa. Nos Estados Unidos, em julho, o então presidente da Comissão Litúrgica, dom Donald Trautman, afirmara que os padres desejosos de celebrar com o rito antigo "deverão submeter-se a um exame de latim", porque o próprio Bento XVI escreveu que "o uso do velho Missal pressupõe certo nível de formação litúrgica e de conhecimento da língua latina". A mesma atitude foi manifestada pelos bispos suíços. Do latim e, particularmente, do "direito dos candidatos ao sacerdócio de ser instruídos em ambas as formas do rito romano", dever-se-ia tratar na próxima instrução, como se lê numa carta de "Ecclesia Dei" de 9 de fevereiro de 2008, em circulação nos blogs tradicionalistas.


Os problemas, sejam quais forem, não são somente pastorais, mas também jurídicos. Entre os que se dedicam à questão, um dos pontos que causam perplexidade é o risco de conflitos de competência (pároco, reitor de igreja, superior religioso, bispo, Pontifícia Comissão" Ecclesia Dei"), no caso de contenciosos.
O equilíbrio estabelecido pelo Vaticano II, que dava ao bispo autoridade plena em matéria, parece ter se tornado precário pelas novas normas, que acabam de interferir em temas teológicos de amplo respiro como as relações entre Igreja universal e igrejas locais, entre unidade e pluralidade, entre uniformidade e diferenças legítimas, entre centro e periferia. É verdade, diz-se, que a "Ecclesia Dei", de alguma forma, assume sobre si as dificuldades que possam chegar aos bispos, no caso de contestações, mas pedir ao pastor da Igreja local que não se ocupe de tais argumentos não significa talvez esvaziar a sua autoridade?
"Não é somente uma questão de liberdade de escolha entre rito ordinário e extraordinário", diz Basilius Groen, holandês, diretor do Instituto para a Liturgia, a Arte Cristã e a Hinologia da Universidade de Graz, na Áustria. "O medo é nos encontrarmos diante de dois modelos eclesiológicos diversos: o primeiro é centrado sobre o padre, e para o outro é fundamental a participação da comunidade". Para sublinhar a diferença, Groen relembra o documento preparatório do Missal de Trento, que se inicia com a frase "Sacerdos paratus" ("quando o padre está pronto"), ao passo que o texto da liturgia de Paulo VI se inicia com "Populo congregato" ("quando a assembléia está reunida"). O que faz pensar que se trate de uma eclesiologia diversa, diz o liturgista holandês, é o fato de que muitos dos sustentadores do rito tridentino tenham problemas com textos como a Unitatis Redintegratio, a Dignitatis Humanae, a Nostra Aetate, isto é, com os temas do ecumenismo, da liberdade de consciência e de religião. Pelos blogs dos tradicionalistas emerge a compreensão de que eles olham para o Vaticano II como um incidente do caminho, uma doença da qual é preciso sarar. De um ponto de vista histórico,. não me surpreendem esses desenvolvimentos: também os Concílios de Nicéia, Calcedônia e Trento foram aceitos depois de várias lutas intestinas. Assim como não julgo que a reposição do rito tridentino possa ser a solução aos abusos litúrgicos.


Também na Itália, e não só nas aulas de Teologia, o motu proprio causou reflexões em cadeia. "Como liturgistas, até hoje tínhamos como consolidadas categorias como a Lex credendi e a Lex orandi: a primeira era o conteúdo da fé; a segunda, as formas concretas da celebração. Quando mudava uma, mudava também a outra, porque o modo de rezar é fundamental para o modo de viver a fé", afirma Grillo. Hoje se diz que existem dois usos diversos da mesma Lex orandi; diz-se que a fé é comum sobre bases dogmáticas e bíblicas, e depois, só haveria usos litúrgicos diversos. A reforma litúrgica tinha feito um caminho para encontrar um rito comum dentro do qual houvesse o pluralismo legítimo. Corre-se, porém, o risco de gerar uma espécie de self-service de ritos diversos. E, em uma sociedade tentada pelo "supermercado" das religiões, "a escolha do rito velho poderia tornar-se uma oferta a mais do sacro. Em outros país, como a França, a coisa mais evidente, porque a reforma litúrgica não teve a difusão e a popularidade que se verificaram na Itália" .


"O motu proprio nos deu matéria sobre a qual trabalhar", conclui Grillo. "E tudo isso é um estímulo a reler muitos conceitos dados por evidentes e relançar os motivos verdadeiros que tornam urgente e irreversível a reforma litúrgica". Por sua vez, o professor Groen ressalta a necessidade de preservar a missão dos teólogos, a quem cabe um trabalho sério: "Não somos infalíveis, mas temos o dever de exercer uma função profética de visão crítica a serviço da Igreja”.

Nota:
1. Artigo publicado na revista italiana Jesus (San Paolo,maio de 2008. Reproduzido com autorização do editor. Tradução: Pe. Lourenço Costa.
Fonte: Revista Vida Pastoral


***


A agudeza teológica se percebe praticamente nula desde as primeiras linhas. Primeiro, o rito de 1969 se torna mais antigo que o do século XVI através da mágica do aspecto sociológico. O que é isso? Como o autor espera ser levado a sério com um argumento de entrada tão estapafúrdio!?

Segundo o autor, é o desejo individualista do homem moderno que o conduz naturalmente ao rito tridentino, uma vez que ele é "rigorosamente individualista". E em que se baseia o autor par afirmar que o rito antigo é "rigorosamente individualista"? Já que o mesmo não nos diz, podemos deduzir que tal conclusão vem do fato do sacerdote celebrar sozinho, por não existir concelebração, muito menos diálogo entre o sacerdote e o povo. Tal argumentação carece de base na realidade, na história e no pensamento litúrgico da Igreja.

A liturgia tradicional não é individualista porque a essência do individualismo é a oposição a toda e qualquer forma de autoridade exterior, a toda forma de regulação. Onde vemos tal tendência com maior frequência? No antigo rito, totalmente regulado pelas leis da Igreja ou no novo rito, ditado pelas modas individuais de cada paróquia, ou mesmo, regulado única e exclusivamente pela vontade do padre (o indivíduo litúrgico)?

O autor afirma que os grupos ligados ao rito tradicional se isolam da Igreja e renunciam à oração cotidiana. Analisemos a primeira afirmação.

Sim, é verdade que muitos fiéis que estão ligados ao rito tradicional se isolam, mas não o fazem por causa da liturgia antiga, mas sobretudo por causa das "deformações da liturgia no limite do suportável", como reconheceu o Papa Bento XVI na sua carta aos bispos. É o individualismo presente na mentalidade dos liturgistas modernos e das suas equipes de pastoral que isola os fiéis "profundamente radicados na fé da Igreja", para usar outra expressão do Papa atual. Por isso mesmo existe o Motu Proprio, por isso mesmo Bento XVI comprou uma briga universal para defender essa pequena parcela do povo católico: porque o problema não está nos tradicionalistas, mas sim na Igreja individualista, ordinária e moderna.

A segunda afirmação refere-se à suposta renúncia à oração cotidiana. Nada mais ridículo quando analisamos onde está a presença de tal oração em nossas dioceses modernas. O breviário/liturgia das horas, única expressão institucional que poderíamos chamar de "oração cotidiana" além da missa em si, não existe nas nossas comunidades, nem é rezado pelos padres. São as comunidades tradicionais que estão trazendo o costume natural da oração cotidiana.

Depois o texto centra-se única e exclusivamente na competência jurídica e na autoridade do bispo. Na verdade, há dois termos que estão conflitantes na mesma frase e vamos isola-los:
O equilíbrio estabelecido pelo Vaticano II, que dava ao bispo autoridade plena em matéria, parece ter se tornado precário pelas novas normas
O equilíbrio pressupõe um balanço idêntico de forças. Para o autor o Vaticano II igualou os poderes do bispo local e do Papa. Ora, tal coisa só pode ser projetada por alguém que ignora a Nota Previa de Paulo VI sobre a colegialidade. A Igreja do Vaticano I e II (através da Nota Previa) não igualou o bispo ao Papa, ainda que a maioria do mundo pense diferente. O bispo tem sim grande autoridade, mas ela é dependente da autoridade do Papa, cum Petro e sub Petro.

Entretanto há no autor um conceito muito particular sobre o termo "equilíbrio". Que equilíbrio é este que dá a uma das partes "autoridade plena"? Se a uma das pontas é dada autoridade plena, a outra não resta autoridade alguma. E o autor dá à ponta errada a autoridade plena. Somente ao Sucessor de Pedro cabe a plena autoridade, a jurisdição universal e a primazia de honra e de fato. Ao bispo diocesano cabe sim alguma autoridade: a de governar em nome do Papa. 

Poderia tecer outros comentários, mas para nós creio que seria inútil. O autor do texto demonstra nenhuma experiência com a Igreja, mesmo sendo membro do clero. É alguém com uma agenda própria, diversa da agenda da Igreja.

Me pergunto o que este autor estaria pensando agora, 4 anos depois de escrever essa porcaria acima. São 4 anos de frutos positivos na aplicação do Motu Proprio e, agora, temos ainda uma instrução mais favorável, que era só especulada no texto acima.

Este texto, tão grosseiro, moldou muitos leigos na minha diocese. Foi dado como material para a aula de liturgia no curso de teologia para leigos! Reconheço nele a base do pensamento do clero local sobre a forma extraordinária da liturgia romana. Tal texto poderia ter sido escrito por qualquer padre da minha diocese, publicado no jornal diocesano, etc. sem qualquer estranheza.

É por isso que há, por aqui, um grande trabalho a ser feito, porque o estrago é grande e está em todas as partes! Só com muita oração (cotidiana!) que poderemos mudar essa triste realidade.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...