Para quem não leu, reproduzi aqui a notícia colocada no
Terra Magazine sobre uma Missa presidida pelo arcebispo primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, "
onde foi distribuída ao mesmo tempo hóstia e acarajé, que no candomblé é chamado de acará, ou seja, a comida ofertada à Yansã".
O blog do
Jorge Ferraz nos retorna com maiores informações sobre o acontecido. Destaco:
Um outro amigo de Salvador disse que esta missa [de Santa Bárbara] ocorre publicamente no centro histórico de Salvador há muito tempo, a despeito do Cardeal Majella não a celebrar. Sobre os acarajés distribuídos junto com a comunhão, ele afirmou desconhecer o fato; disse que o que acontecia era que, no Ofertório, entravam em procissão algumas coisas, entre as quais o acarajé.
(...)
Em princípio, portanto, a comida ofertada aos pobres pode ser solenemente introduzida na Liturgia e, conquanto não seja colocada sobre o altar, não há desobediência às rubricas aqui.
A arquidiocese
desmentiu o boato do arcebispo ter distribuído o "petisco" ao mesmo tempo que a Sagrada Eucaristia era distribuída aos fiéis.
Se de fato não houve a distribuição simultânea da Sagrada Eucaristia com um "petisco" consagrado aos Orixás, muito bem. Contudo isso não diminui o ato imprudente do arcebispo.
A Bahia é o estado onde o sincretismo fixou sua morada de forma mais intensa. Datas tradicionalmente católicas são surrupiadas pelos cultos afro-brasileiros, nomes de santos e santas são usados para designar Orixás [dentre eles Santa Bárbara, a santa em questão]. Por anos a arquidiocese de Salvador lutou, como pôde, para instruir seus fiéis sobre o verdadeiro sentido das solenidades e festas católicas, tentando despregá-las dos ritos pagãos. Portas eram fechadas para salvar as almas do engano, a prudência reinava.
Entretanto nos últimos anos somos bombardeados por notícias, verdadeiras e confirmadas, de novas posturas, sincretistas e relativistas por natureza. Padres abrindo as portas das igrejas enquanto mães de santo lavam as escadarias, padres dando a bênção aos frequentadores dos terreiros, etc. Tudo isso num tom zombeteiro.
Com acarajé ou sem acarajé - e esperamos que realmente tenha sido "sem" - a missa celebrada pelo arcebispo foi, como dito, no mínimo imprudente. "Ah! Mas então o arcebispo não tem mais o direito de celebrar a missa em honra a uma santa católica? Quem você pensa que é para dizer isso a um sucessor dos apóstolos, cujos atos são desculpáveis em toda e qualquer condição, pois há uma mitra sobre a cabeça dele!" diriam alguns.
Entendam o problema central. O problema não é a missa em honra a um santo, qualquer que seja. É claro que Dom Krieger tinha e tem todo o direito, pelo bem dos fiéis, de celebrar a missa em honra a Santa Bárbara.
O problema está na forma como ele a celebrou, que deu azo a todo este sincretismo - com acarajé ou não. Dom Murilo celebrou uma missa num local tomado por adeptos do candomblé/umbanda, com atabaques e outros instrumentos típicos desses cultos (e estranhos ao rito romano) e com acarajé levado durante a procissão do ofertório (ou, segundo o Terra Magazine, distribuídos...).
Vejam o problema específico do Acarajé. No tabuleiro da baiana, é apenas um petisco (um pouco indigesto, é verdade....), mas num contexto religioso é oferenda aos Orixás. Da mesma forma que o pão é apenas pão na nossa mesa, quando está a caminho do altar é oferta que depois se tornará o Corpo santíssimo de NS Jesus Cristo.
Levar o acarajé em procissão no ofertório [ainda que lícito em teoria, como destaca o Jorge Ferraz citando a IGMR 73], em Salvador, numa festa de uma santa que, infelizmente, é confundida propositalmente com um Orixá, ao som de atabaques... Você precisa de mais o que para criar confusão e desorientação, perplexidade e escândalo?
Especificamente sobre o ponto da IGMR 73, lembremos da palavra de S Paulo: Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. Lembrando que a IGMR 73 certamente não pode ser aplicada num caso onde há perigo real e concreto de sincretismo. De fato é sempre bom recordar alguns pontos da esquecida Redemptionis Sacramentum:
[57.] É um direito da comunidade de fiéis que, sobretudo na celebração dominical, haja uma música sacra adequada e idônea, de acordo com costume, e sempre o altar, os paramentos e os panos sagrados, de acordo com as normas, resplandeçam por sua dignidade, nobreza e limpeza.
[58.] Igualmente, todos os fiéis têm direito a que a celebração da Eucaristia seja preparada diligentemente em todas suas partes, para que nela seja proclamada e explicada com dignidade e eficácia a palavra de Deus; a capacidade de selecionar os textos litúrgicos e os ritos deve ser exercida com cuidado, de acordo com as normas, e as letras dos cantos da celebração Litúrgica guardem e alimentem devidamente a fé dos fiéis.
[78.] Não está permitido relacionar a celebração da Missa com acontecimentos políticos ou mundanos, ou com outros elementos que não concordem plenamente com o Magistério da Igreja Católica. Além disso, se deve evitar totalmente a celebração da Missa pelo simples desejo de ostentação ou celebrá-la de acordo com o estilo de outras cerimônias, especialmente profanas, para que a Eucaristia não se esvazie de seu significado autêntico.
[79.] Por último, o abuso de introduzir ritos tomados de outras religiões na celebração da santa Missa, contrários ao que se prescreve nos livros litúrgicos, devem ser julgar com grande severidade.
[96.] Reprova-se o costume que contrarie às prescrições dos livros litúrgicos, inclusive que sejam distribuídas, semelhantemente a maneira de uma comunhão, durante a Missa ou antes dela, quer sejam hóstias não consagradas, quer sejam outros comestíveis ou não comestíveis. Posto que estes costumes, de nenhum modo, concordam com a tradição do Rito romano e levam consigo o perigo de induzir a confusão aos fiéis, respectivamente à doutrina eucarística da Igreja. Onde em alguns lugares exista, por concessão, o costume particular de abençoar e distribuir pão, depois da Missa, tenha-se grande cuidado de que se dê uma adequada catequese sobre este ato. Não se introduzam outros costumes similares, nem sejam utilizadas para isto, nunca, hóstias não consagradas
[109.] Nunca é lícito a um sacerdote celebrar a Eucaristia em um templo ou lugar sagrado de qualquer religião não cristã.
Retomando o questionamento, o senhor arcebispo tinha em mãos a fórmula perfeita para honrar a Deus e a memória de Santa Bárbara - o rito romano, puro e simples. Uma missa plenamente católica, sem qualquer sinal de sincretismo, solene e respeitosa, traria muito mais benefício aos fiéis que este espetáculo sincretista - com acarajé ou não - que se deu em solo baiano.